Radio Poder Popular

sábado, 25 de janeiro de 2014

Editado o Ato Institucional nº 1 da era petista(essa história não pode se repetir)

(Nota Política do PCB) No último dia 20 de dezembro, o Governo Dilma, através da PORTARIA NORMATIVA No 3.461, contribuiu decididamente para a reformulação da logística de repressão do Estado, exigida há tempos pelas Forças Armadas e pelos setores mais retrógrados da sociedade, atribuindo ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica a condição de planejar, organizar, gerenciar e efetuar ações repressivas contra manifestações públicas organizadas por movimentos e/ou ativistas sociais. Sob a justificativa de efetuar Operações para a Garantia da Lei e da Ordem (OP GLO) em situações previsíveis ou em iminentes situações de crises políticas, contra ações das chamadas Forças Oponentes (F Opn), as Forças Armadas passam a ter a incumbência de assessorar e efetuar todas as medidas necessárias com vistas à repressão e à restauração da ordem desejada. As ações vão desde o uso da inteligência e contrainteligência, com possíveis monitoramentos das comunicações e outros apetrechos de espionagem, até o uso de medidas psicológicas e de comunicação de massas, para condicionar o apoio da opinião pública aos atos praticados pelo governo. Como se já não bastasse a violência de policiais militares equipados como gladiadores, as Forças Armadas, para enfrentar a “desordem”, vão lançar mão “de todos os meios à disposição, podendo incluir o Princípio de Guerra da Massa, que fica caracterizado ao se atribuir uma ampla superioridade de meios das forças empregadas em Op GLO em relação às FOpn”. As chamadas Forças Oponentes são identificadas como grupos, organizações, pessoas, “infiltrados” em Organizações Sindicais e Políticas, que de modo geral possam gerar “instabilidades, insegurança e ameaças públicas ou privadas”. Cabe nesse aspecto ressaltar a desfaçatez do governo em enquadrar, sob a mesma classificação, desde grupos narcotraficantes até entidades e movimentos sociais, numa clara lógica de criminalização das organizações e dos militantes políticos e sociais que lutam contra os efeitos perversos do sistema capitalista na vida da população. Entre os delitos classificados como ações de Forças Oponentes, destacam-se: paralisação de atividades produtivas, invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas; bloqueio de vias públicas de circulação e distúrbios urbanos; “delitos” que, por sua vez, já são acintosamente propagados pela mídia como ações de “vândalos” e “terroristas”, mas que, na verdade, correspondem a respostas efetivas da classe trabalhadora e das camadas populares à opressão, miséria, desigualdade e exploração causadas pelo capitalismo e seus agentes. Até mesmo as greves, direito dos trabalhadores garantido pela Constituição, entraram no rol dos “delitos” a serem reprimidos pelas Forças Armadas, num claro retrocesso que lembra o tempo da ditadura. O PCB vem a público denunciar que esse ato do Governo Dilma, a mando dos setores mais reacionários e a serviço dos grandes grupos capitalistas e das empresas preocupadas com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil, representa a instauração de um verdadeiro estado de exceção no país, visando a resguardar não a segurança pública, mas a garantia da lei da exploração burguesa e da ordem do capital. O ato demonstra ainda o grau de subserviência do governo petista às imposições da FIFA, que teme a não realização da Copa em função das manifestações populares, que certamente voltarão com força neste ano e tendem a prosseguir mesmo depois dos eventos, em função da continuidade dos problemas que provocaram as grandes mobilizações no ano passado. Diante da grave crise social na qual estamos mergulhados e das crescentes manifestações que evidenciaram o esgotamento do modelo político e econômico social-liberal vigente, o PT e os demais partidos da ordem burguesa vêm acelerando ações que visam a aumentar a repressão, a vigilância social e a submissão das massas ao sistema, pretendendo evitar que as contradições sociais explodam através de revoltas populares, sempre ameaçadoras aos interesses do capital e de suas forças políticas representativas. A publicação dessa Portaria, às vésperas de o golpe empresarial-militar de 1964 completar 50 anos, apenas reforça a percepção de que, em momentos de aguçamento da luta de classes, independentemente de quem esteja administrando o estado burguês, as classes dominantes se antecipam a qualquer possibilidade de instabilidade política resultante do acirramento das contradições sociais e se lançam ao ataque em defesa de seus interesses. O ato político do Governo Dilma revela a existência de um processo de fascistização em curso da sociedade brasileira, com o início de uma série de atos articulados que, a partir de agora, ampliarão a ação repressiva do Estado. Associada à pesada propaganda ideológica disseminada pelos meios de comunicação, esta ação tem o intuito de tentar calar todas as justas e genuínas manifestações contrárias aos efeitos do sistema no dia a dia das pessoas, tornando oficial a criminalização das organizações políticas e sociais que lutam contra o capitalismo e seus agentes, assim como de todos os movimentos populares. É a tentativa de impor a ordem a ferro e fogo, garantindo a paz dos cemitérios! O PCB conclama os partidos e organizações de oposição socialista, assim como o conjunto dos ativistas dos movimentos populares e sociais, à necessária unidade política para barrar as medidas reacionárias adotadas pelo governo Dilma, as quais representam claramente mais uma traição de classe do PT aos trabalhadores brasileiros. PCB – Partido Comunista Brasileiro Comissão Política Nacional Janeiro de 2013 VEJAM UM RESUMO DA PORTARIA NORMATIVA, QUE PODE SER VISTA NA ÍNTEGRA NO ARQUIVO ANEXO: Garantia da Lei e da Ordem, Ministério da Defesa PORTARIA NORMATIVA No 3.461 /MD, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2013. (...) - Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) é uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos MD33-M-10 15/68 instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem.1 - Forças Oponentes (F Opn) são pessoas, grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio. - Ameaça são atos ou tentativas potencialmente capazes de comprometer a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio, praticados por F Opn previamente identificadas ou pela população em geral. (...) 3.2.4.1 Por se tratar de um tipo de operação que visa a garantir ou restaurar a lei e a ordem, será de capital importância que a população deposite confiança na tropa que realizará a operação. Esta confiança é conquistada, entre outros itens, pelo estabelecimento de orientações voltadas para o respeito à população e a sua correta compreensão e execução darão segurança aos executantes, constituindo-se em um fator positivo para sua atuação. (...) 4.2.2.3 Inteligência 4.2.2.3.1 O minucioso conhecimento das características das F Opn e da área de operações, com particular atenção para a população que nela reside, proporcionará condições para a neutralização ou para a supressão da capacidade de atuação da F Opn com o mínimo de danos à população e de desgaste para a força empregada na Op GLO. 4.2.2.3.2 A atividade de inteligência deverá anteceder ao início da Op GLO, sendo desenvolvida, desde a fase preventiva, com acompanhamento das potenciais ações das F Opn. A produção do conhecimento apoiará as ações das forças empregadas e fornecerá dados para o desenvolvimento das atividades de Comunicação Social (Com Soc) e de Operações Psicológicas (Op Psc). 4.2.2.3.3 A utilização dos conhecimentos oriundos de órgãos de inteligência externos às FA exigirá um plano de inteligência adequado à situação, buscando a efetiva integração desses órgãos, antecedendo a ocorrência de fatos motivadores do emprego das FA. (...) 4.2.4.2 Ações dissuasórias devem ser adotadas para que as ameaças identificadas não se concretizem, evitando, assim a adoção de medidas repressivas. 4.2.4.3 Esta dissuasão deve ser obtida lançando-se mão de todos os meios à disposição, podendo incluir o Princípio de Guerra da Massa, que fica caracterizado ao se atribuir uma ampla superioridade de meios das forças empregadas em Op GLO em relação às FOpn.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Por um Encontro Nacional de Movimentos em luta por uma Universidade Popular!

É na luta que se constrói o projeto de educação dos trabalhadores! Compreendendo a necessidade da construção de um Encontro Nacional de Movimentos em Lutas por uma Universidade Popular (ENMUP) viemos a público manifestar nosso apoio para que este se realize em agosto de 2014, com o intuito de somar experiências, visões e unificar lutas práticas por outro projeto de Universidade e Educação. Projeto que denuncie o caráter elitista e conservador existente, e possibilite a construção de um novo modelo de universidade atrelada às demandas das classes populares e em sintonia com a transformação social no nosso país. Por isso, a luta pela Universidade Popular está em movimento. Ela está presente nas lutas por melhores condições de estudo e trabalho, tanto dos estudantes como dos técnicos e professores; nas lutas pelo acesso universal; na disputa pela produção de ciência a serviço das causas populares; nas experiências dos cursos de pré-vestibular e alfabetização de jovens e adultos; na defesa radical do caráter público da educação. Em suma, a luta pela Universidade Popular está presente em todas as iniciativas em que ecoam o grito das necessidades de milhares de trabalhadores dentro e fora da universidade. Por isso, esta luta não pertence apenas a uma organização, coletivo ou movimento. Trata-se de um projeto histórico a ser revigorado por tod@s aqueles que estejam ao lado dos oprimidos. O ENMUP deve ser uma expressão plural, massiva, democrática e horizontal das lutas que se acirram por todo país, assim como fazê-las ecoar nas universidades e escolas. Temos a certeza de que Fortaleza será o ponto de encontro da rebeldia que floresce na juventude brasileira. A capital cearense irá simbolizar a nacionalização das lutas e a revitalização do projeto de Universidade Popular a ser apresentado para a sociedade brasileira! Assinam este manifesto (ainda aberto para mais apoiador@s): Central dos Movimentos Populares (CMP) Corrente Sindical e Operária Unidade Classista Movimentos dos Pequenos Agricultores (MPA) Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MST) União da Juventude Comunista (UJC) Diretoria da Casa do Estudante II UFSM (RS) ANDES – Regional NE – 2 DCE UNIFESP(SP) DCE UFMS( MS) DCE UFRPE Odijas Carvalho de Souza – Gestão: mais Vale o Que Será! (PE) DCE UFRJ(RJ) DCE UNIRIO(RJ) SINPRO-RIO O Sindicato dos Aeroviários (RJ) ADUFRJ(RJ) Movimento dos Trabalhadores Desempregados (RJ) Movimento Favela não se Cala (RJ) Fórum da Saúde do Rio de Janeiro (RJ) Mandato do vereador Renatinho PSOL Niterói (RJ) Associação dos Docentes da Faculdade Santa Dorotéia (RJ) Sindicato dos Professores de Nova Friburgo e Região (RJ) Liga de Lutas Urbanas (RJ) Centro Acadêmico Florestan Fernandes Ciências Sociais UFF/Campos (RJ) Centro Acadêmico Conceição Muniz UFF/Campos (RJ) Movimento Social Rima Cabrunco (RJ) Diretório Acadêmico de Sociologia UFF-Niterói (RJ) Centro Acadêmico de Economia UFF-Niterói (RJ) Centro Acadêmico de História UFF-Niterói (RJ) Movimento por uma Seropédica Melhor (RJ) Associação de Moradores do Bairro São Miguel-Seropédica (RJ) Associação de Moradores do Bairro Vila Real- Seropédica (RJ) Grêmio Estudantil IFRJ (RJ) Grêmio estudantil do CIEP 155 Maria Joaquina de Oliveira/Seropédica-RJ. Coletivo Antiproibicionista Cultural Verde (Niterói – RJ) Site e Jornal “Viva Rocinha” (RJ) Diretório Acadêmico Christiano Altenfelder – Medicina Marília (SP) CACS-PUC (SP) Sinpro Guarulhos (SP) Centro de Referência da Juventude –CRJ (GO) Associação de Docentes do Campus Catalão –AdCaC (GO) Diretório Acadêmico do Campus Catalão (DACC) (GO) Centro Acadêmico de Psicologia do Campus Catalão –CAPSICC (GO) Centro Acadêmico de Geografia do Campus Catalão –CAGEOCC (GO) Movimento Camponês Popular em Catalão-MCP (GO) Núcleo de Educação Popular José Martí – NEP (GO) Associação dos Docentes do Campus de Jataí/UFG – ADCAJ/Seção Sindical ANDES (GO) Associação dos Pós-Graduandos da UFG – APG/UFG (GO) Cursinho Popular SINAPSE (GO) Grêmio Estudantil Filhos da Revolução – Colégio Estadual Vila Lobos(GO) Grêmio Estudantil Carlos Mariguella – Colégio Estadual Waldemar Mundin(GO) Diretório Acadêmico Francisco de Assis Magalhães do Instituto de Ciências Exatas UFMG (MG) Movimento Universidade Pública no Guará(DF) Grupo de Estudos e Pesquisas Historia, Sociedade e Educação no Brasil – HISTEDBR – GT UnB/CNPq (DF) Núcleo de Estudos Agrários Desenvolvimento e Segurança Alimentar NEADS/CNPQ/UnB ( DF) Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica em Educação Física, Esporte e Lazer – AVANTE (DF) Centro Acadêmico de Educação Física da Universidade de Brasília – CAEDF (DF) Movimento Memória Viva e Cultura Afrolatinas – Brazlândia (DF) Centro independente de difusão da cultura e arte – Taguatinga (DF) Alerta – HipHop – Núcleo Bandeirante (DF) CCCP-Coletivo Cultural de Criação Popular(PE) Diretório Acadêmico de Agronomia – UFRPE (PE) Escambo Coletivo- Lazer Produtivo e Direito à Cidade- Paulista(PE) Espaço Cultural Caros Amigos/Coco Dos amigos(PE) BrasCubas- Casa Gregório Bezerra(PE) Centro Acadêmico Caio Amado de Ciências Sociais UFS(SE) Grêmio Estudantil do Colégio Albano Franco (SE) Coletivo Um Passo à Frente (SE) C.A. de Filosofia UECE(CE) C.A. de Serviço Social UECE(CE) C.A. de Serviço Social FAC(CE) Sindicato dos Sapateiros do Ceará(CE) Estagio Nacional de Extensão Comunitária ENEC(PB) Núcleo de Cultura Comunista da Paraíba(PB) Grupo de Estudos Marxistas Elizabeth Teixeira(PB) Movimento de Ação Popular (BA) Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva/NESC – Escola Latino Americana de Medicina (Cuba) Centro Acadêmico de História Erick J. Hobsbawm da UFMS (Campo Grande – MS) http://enmup2014.wordpress.com/2013/12/22/por-um-encontro-nacional-dos-movimentos-em-luta-por-uma-universidade-popular/

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Rolezinho, um ato de resistência política por Stephanie Ribeiro • em 13 jan, 2014 • 11 Nunca imaginei que um dia a ida ao shopping seria visto como um ato de resistência política. Os chamados “rolêzinhos;” noticiados pelos meios de comunicação desde Dezembro de 2013, consistem em uma simples ida de jovens, em grupos, aos shopping centers. Algo comum, já que o grande contingente de frequentadores destes espaços são jovens. Porém, o que despertou a revolta de algumas pessoas em relação a estes “rolêzinhos” foi o tipo de jovem que o está realizando: pobres e, em sua maioria, negros. O ápice da revolta, gerou atitudes de repressão contra a circulação de jovens, uma liminar para impedir o “Rolezaum no Shoppim”, evento marcado por meio do facebook, para o ultimo sábado, 11 de janeiro, no Shopping JK Iguatemi, um símbolo do luxo e da ostentação da elite paulistana; evento que por sinal, foi criando como forma de protesto e gerou portas blindadas por policiais e presença de um oficial de justiça na frente do local. E a agressividade no outro extremo da cidade, no shopping Metrô Itaquera onde houve bombas de lacrimogêneo, balas de borracha e detidos pela Polícia Militar. São consequências do incômodo que os pobres e negros, até então “escondidos ”podem causar, quando resolvem retomar seu direito a Cidade . Está que é instrumento de opressão desde a pólis grega, não esconde sua configuração segregadora que se divide em Casa Grande, atualmente os bairros centrais e senzala, que é representada pela periferia distante, já é uma regra para a sociedade brasileira, não uma exceção varrer o que não agrada para debaixo do tapete.

domingo, 12 de janeiro de 2014

A LIBERTAÇAO DO COMANDANTE JULIÁN CONRADO - VITÓRIA DAS FARC E DA SOLIDARIEDADE INTERNACIONALIST

Quase três anos permaneceu o comandante Julian Conrado – Guilhermo Enrique Torres antes da sua adesão às FARC- num carcere venezuelano. Fora preso no Estado de Barinas, a pedido do governo da Colômbia, que exigiu depois a sua extradição com acusações falsas. O pedido não foi então atendido. Saiu esta semana em liberdade por decisão do Supremo Tribunal da Venezuela. Terá sido a intervenção do presidente Nicolas Maduro junto a José Manuel Santos que levou o Poder Judicial colombiano a retirar o pedido de extradição. Mas é sobretudo à solidariedade internacionalista que se deve a libertação de Conrado. O comandante guerrilheiro, artista revolucionário, autor da famosa canción guerrillera fariana , adquiriu na prisão o perfil de um herói mítico. Inicialmente admitiu-se que fora morto durante o bombardeamento pirata das Forças Armadas Colombianas em 2008 ao acampamento de Sucumbios, instalado em território equatoriano pelo comandante Raul Reyes, massacre realizado com a colaboração da CIA, da Mossad israelense e do Pentágono. Era, porém, falsa a notícia então difundida pelo governo colombiano; Julián Conrado continuava vivo, no combate revolucionário. Daí a surpresa quando foi detido em 2011 na Venezuela. No cárcere a sua voz não se calou. Deu entrevistas, escreveu poemas, compôs canções. De dezenas de países choveram em Caracas apelos para a sua libertação. O secretariado do Estado Maior Central das Forcas Armadas da Colômbia- Exército do Povo, congratulando- se com a decisão do Supremo Tribunal da Venezuela, decidiu chamá-lo agora a Havana para participar na Mesa dos Diálogos de Paz que prosseguem na capital cubana e serão reiniciados nos próximos dias. Julián Conrado, nas suas primeiras declarações, agradeceu a torrencial solidariedade internacionalista e informou que, como membro da delegação das FARC, prosseguirá a sua luta por uma paz que abra as portas a uma Colômbia livre, independente, democrática e progressista.Com esse objetivo continuará simultaneamente a fazer da canção um instrumento revolucionário a serviço do seu povo. Vila Nova de Gaia, 10 de Janeiro de 2014A E-mail Imprimir PDF 10 JANEIRO 2014 CLASSIFICADO EM AMÉRICA LATINA - COLÔMBIA Miguel Urbano Rodrigues Quase três anos permaneceu o comandante Julian Conrado – Guilhermo Enrique Torres antes da sua adesão às FARC- num carcere venezuelano. Fora preso no Estado de Barinas, a pedido do governo da Colômbia, que exigiu depois a sua extradição com acusações falsas. O pedido não foi então atendido. Saiu esta semana em liberdade por decisão do Supremo Tribunal da Venezuela. Terá sido a intervenção do presidente Nicolas Maduro junto a José Manuel Santos que levou o Poder Judicial colombiano a retirar o pedido de extradição. Mas é sobretudo à solidariedade internacionalista que se deve a libertação de Conrado. O comandante guerrilheiro, artista revolucionário, autor da famosa canción guerrillera fariana , adquiriu na prisão o perfil de um herói mítico. Inicialmente admitiu-se que fora morto durante o bombardeamento pirata das Forças Armadas Colombianas em 2008 ao acampamento de Sucumbios, instalado em território equatoriano pelo comandante Raul Reyes, massacre realizado com a colaboração da CIA, da Mossad israelense e do Pentágono. Era, porém, falsa a notícia então difundida pelo governo colombiano; Julián Conrado continuava vivo, no combate revolucionário. Daí a surpresa quando foi detido em 2011 na Venezuela. No cárcere a sua voz não se calou. Deu entrevistas, escreveu poemas, compôs canções. De dezenas de países choveram em Caracas apelos para a sua libertação. O secretariado do Estado Maior Central das Forcas Armadas da Colômbia- Exército do Povo, congratulando- se com a decisão do Supremo Tribunal da Venezuela, decidiu chamá-lo agora a Havana para participar na Mesa dos Diálogos de Paz que prosseguem na capital cubana e serão reiniciados nos próximos dias. Julián Conrado, nas suas primeiras declarações, agradeceu a torrencial solidariedade internacionalista e informou que, como membro da delegação das FARC, prosseguirá a sua luta por uma paz que abra as portas a uma Colômbia livre, independente, democrática e progressista.Com esse objetivo continuará simultaneamente a fazer da canção um instrumento revolucionário a serviço do seu povo. 10 JANEIRO 2014 Vila Nova de Gaia, 10 de Janeiro de 2014 Miguel Urbano Rodrigues

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A Filosofia entre a Religião e a Ciência

Bertrand Russell Os conceitos da vida e do mundo que chamamos “filosóficos” são produto de dois fatores: um, constituído de fatores religiosos e éticos herdados; o outro, pela espécie de investigação que podemos denominar “científica”, empregando a palavra em seu sentido mais amplo. Os filósofos, individualmente, têm diferido amplamente quanto às proporções em que esses dois fatores entraram em seu sistema, mas é a presença de ambos que, em certo grau, caracteriza a filosofia. “Filosofia” é uma palavra que tem sido empregada de várias maneiras, umas mais amplas, outras mais restritas. Pretendo empregá-la em seu sentido mais amplo, como procurarei explicar adiante. A filosofia, conforme entendo a palavra, é algo intermediário entre a teologia e a ciência. Como a teologia, consiste de especulações sobre assuntos a que o conhecimento exato não conseguiu até agora chegar, mas, como ciência, apela mais à razão humana do que à autoridade, seja esta a da tradição ou a da revelação. Todo conhecimento definido — eu o afirmaria — pertence à ciência; e todo dogma quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à teologia. Mas entre a teologia e a ciência existe uma Terra de Ninguém, exposta aos ataques de ambos os campos: essa Terra de Ninguém é a filosofia. Quase todas as questões do máximo interesse para os espíritos especulativos são de tal índole que a ciência não as pode responder, e as respostas confiantes dos teólogos já não nos parecem tão convincentes como o eram nos séculos passados. Acha-se o mundo dividido em espírito e matéria? E, supondo-se que assim seja, que é espírito e que é matéria? Acha-se o espírito sujeito à matéria, ou é ele dotado de forças independentes? Possui o universo alguma unidade ou propósito? Está ele evoluindo rumo a alguma finalidade? Existem realmente leis da natureza, ou acreditamos nelas devido unicamente ao nosso amor inato pela ordem? É o homem o que ele parece ser ao astrônomo, isto é, um minúsculo conjunto de carbono e água a rastejar, impotentemente, sobre um pequeno planeta sem importância? Ou é ele o que parece ser a Hamlet? Acaso é ele, ao mesmo tempo, ambas as coisas? Existe uma maneira de viver que seja nobre e uma outra que seja baixa, ou todas as maneiras de viver são simplesmente inúteis? Se há um modo de vida nobre, em que consiste ele, e de que maneira realizá-lo? Deve o bem ser eterno, para merecer o valor que lhe atribuímos, ou vale a pena procurá-lo, mesmo que o universo se mova, inexoravelmente, para a morte? Existe a sabedoria, ou aquilo que nos parece tal não passa do último refinamento da loucura? Tais questões não encontram resposta no laboratório. As teologias têm pretendido dar respostas, todas elas demasiado concludentes, mas a sua própria segurança faz com que o espírito moderno as encare com suspeita. O estudo de tais questões, mesmo que não se resolva esses problemas, constitui o empenho da filosofia. Mas por que, então, — poderíeis perguntar — perder tempo com problemas tão insolúveis? A isto, poder-se-ia responder como historiador ou como indivíduo que enfrenta o terror da solidão cósmica. A resposta do historiador, tanto quanto me é possível dá-la, aparecerá no decurso desta obra. Desde que o homem se tornou capaz de livre especulação, suas ações, em muitos aspectos importantes, têm dependido de teorias relativas ao mundo e à vida humana, relativas ao bem e ao mal. Isto é tão verdadeiro em nossos dias como em qualquer época anterior. Para compreender uma época ou uma nação, devemos compreender sua filosofia e, para que compreendamos sua filosofia, temos de ser, até certo ponto, filósofos. Há uma relação causal recíproca. As circunstâncias das vidas humanas contribuem muito para determinar a sua filosofia, mas, inversamente, sua filosofia muito contribui para determinar tais circunstâncias. Essa ação mútua, através dos séculos, será o tema das páginas seguintes. Há, todavia, uma resposta mais pessoal. A ciência diz-nos o que podemos saber, mas o que podemos saber é muito pouco e, se esquecemos quanto nos é impossível saber, tornamo-nos insensíveis a muitas coisas sumamente importantes. A teologia, por outro lado, nos induz à crença dogmática de que temos conhecimento de coisas que, na realidade, ignoramos e, por isso, gera uma espécie de insolência impertinente com respeito ao universo. A incerteza, na presença de grandes esperanças e receios, é dolorosa, mas temos de suportá-la, se quisermos viver sem o apoio de confortadores contos de fadas. Não devemos também esquecer as questões suscitadas pela filosofia, ou persuadir-nos de que encontramos, para as mesmas, respostas indubitáveis. Ensinar a viver sem essa segurança e sem que se fique, não obstante, paralisado pela hesitação, é talvez a coisa principal que a filosofia, em nossa época, pode proporcionar àqueles que a estudam. A filosofia, ao contrário do que ocorreu com a teologia, surgiu, na Grécia, no século VI antes de Cristo. Depois de seguir o seu curso na antiguidade, foi de novo submersa pela teologia quando surgiu o Cristianismo e Roma se desmoronou. Seu segundo período importante, do século VI ao século XIV, foi dominado pela Igreja Católica, com exceção de alguns poucos e grandes rebeldes, como, por exemplo, o imperador Frederico II (1195-1250). Este período terminou com as perturbações que culminaram na Reforma. O terceiro período, desde o século XVII até hoje, é dominado, mais do que os períodos que o precederam, pela ciência. As crenças religiosas tradicionais mantêm sua importância, mas se sente a necessidade de que sejam justificadas, sendo modificadas sempre que a ciência torna imperativo tal passo. Poucos filósofos deste período são ortodoxos do ponto de vista católico, e o Estado secular adquire mais importância em suas especulações do que a Igreja. A coesão social e a liberdade individual, como a religião e a ciência, acham-se num estado de conflito ou difícil compromisso durante todo este período. Na Grécia, a coesão social era assegurada pela lealdade à Cidade-Estado; o próprio Aristóteles — embora, em sua época, Alexandre estivesse tornando obsoleta a Cidade-Estado — não conseguia ver mérito algum em qualquer outro tipo de comunidade. Variava grandemente o grau em que a liberdade individual cedia ante seus deveres para com a Cidade. Em Esparta, o indivíduo tinha tão pouca liberdade como na Alemanha ou na Rússia modernas; em Atenas, apesar de perseguições ocasionais, os cidadãos desfrutaram, em seu melhor período, de extraordinária liberdade quanto a restrições impostas pelo Estado. O pensamento grego, até Aristóteles, é dominado por uma devoção religiosa e patriótica à Cidade; seus sistemas éticos são adaptados às vidas dos cidadãos e contêm grande elemento político. Quando os gregos se submeteram, primeiro aos macedônios e, depois, aos romanos, as concepções válidas em seus dias de independência não eram mais aplicáveis. Isto produziu, por um lado, uma perda de vigor, devido ao rompimento com as tradições e, por outro lado, uma ética mais individual e menos social. Os estoicos consideravam a vida virtuosa mais como uma relação da alma com Deus do que como uma relação do cidadão com o Estado. Prepararam, dessa forma, o caminho para o Cristianismo, que, como o estoicismo, era, originalmente, apolítico, já que, durante os seus três primeiros séculos, seus adeptos não tinham influência no governo. A coesão social, durante os seis séculos e meio que vão de Alexandre a Constantino, foi assegurada, não pela filosofia nem pelas antigas fidelidades, mas pela força — primeiro a força dos exércitos e, depois, a da administração civil. Os exércitos romanos, as estradas romanas, a lei romana e os funcionários romanos, primeiro criaram e depois preservaram um poderoso Estado centralizado. Nada se pode atribuir à filosofia romana, já que esta não existia. Durante esse longo período, as ideias gregas herdadas da época da liberdade sofreram um processo gradual de transformação. Algumas das velhas ideias, principalmente aquelas que deveríamos encarar como especificamente religiosas, adquiriram uma importância relativa; outras, mais racionalistas, foram abandonadas, pois não mais se ajustavam ao espírito da época. Desse modo, os pagãos posteriores foram se adaptando à tradição grega, até esta poder incorporar-se na doutrina cristã. O Cristianismo popularizou uma ideia importante, já implícita nos ensinamentos dos estoicos, mas estranha ao espírito geral da antiguidade, isto é, a ideia de que o dever do homem para com Deus é mais imperativo do que o seu dever para com o Estado. [1] A opinião de que “devemos obedecer mais a Deus que ao homem”, como Sócrates e os Apóstolos afirmavam, sobreviveu à conversão de Constantino, porque os primeiros cristãos eram arianos ou se sentiam inclinados para o arianismo. Quando os imperadores se tornaram ortodoxos, foi ela suspensa temporariamente. Durante o Império Bizantino, permaneceu latente, bem como no Império Russo subsequente, o qual derivou do Cristianismo de Constantinopla. [2] Mas, no Ocidente, onde os imperadores católicos foram quase imediatamente substituídos (exceto em certas partes da Gália) por conquistadores bárbaros heréticos, a superioridade da lealdade religiosa sobre a lealdade política sobreviveu e, até certo ponto, persiste ainda hoje. A invasão dos bárbaros pôs fim, por espaço de seis séculos, à civilização da Europa Ocidental. Subsistiu, na Irlanda, até que os dinamarqueses a destruíram no século IX. Antes de sua extinção produziu, lá, uma figura notável, Scoto Erígena. No Império Oriental, a civilização grega sobreviveu, em forma dissecada, como num museu, até à queda de Constantinopla, em 1453, mas nada que fosse de importância para o mundo saiu de Constantinopla, exceto uma tradição artística e os Códigos de Direito Romano de Justiniano. Durante o período de obscuridade, desde o fim do século V até a metade do século XI, o mundo romano ocidental sofreu algumas transformações interessantes. O conflito entre o dever para com Deus e o dever para com o Estado, introduzido pelo cristianismo, adquiriu o caráter de um conflito entre a Igreja e o rei. A jurisdição eclesiástica do Papa estendia-se sobre a Itália, França, Espanha, Grã-Bretanha e Irlanda, Alemanha, Escandinávia e Polônia. A princípio, fora da Itália e do sul da França foi muito leve o seu controle sobre bispos e abades, mas, desde o tempo de Gregório VII (fins do século XI), tornou-se real e efetivo. Desde então o clero, em toda a Europa Ocidental, formou uma única organização, dirigida por Roma, que procurava o poder inteligente e incansavelmente e, em geral, vitoriosamente, até depois do ano 1300, em seus conflitos com os governantes seculares. O conflito entre a Igreja e o Estado não foi apenas um conflito entre o clero e os leigos; foi, também, uma renovação da luta entre o mundo mediterrâneo e os bárbaros do norte. A unidade da Igreja era um reflexo da unidade do Império Romano; sua liturgia era latina, e os seus homens mais proeminentes eram, em sua maior parte, italianos, espanhóis ou franceses do sul. Sua educação, quando esta renasceu, foi clássica; suas concepções da lei e do governo teriam sido mais compreensíveis para Marco Aurélio do que para os monarcas contemporâneos. A Igreja representava, ao mesmo tempo, continuidade com o passado e com o que havia de mais civilizado no presente. O poder secular, ao contrário, estava nas mãos de reis e barões de origem teutônica, os quais procuravam preservar, o máximo possível, as instituições que haviam trazido as florestas da Alemanha. O poder absoluto era alheio a essas instituições, como também era estranho, a esses vigorosos conquistadores, tudo aquilo que tivesse aparência de uma legalidade monótona e sem espírito. O rei tinha de compartilhar seu poder com a aristocracia feudal, mas todos esperavam, do mesmo modo, que lhes fosse permitido, de vez em quando, uma explosão ocasional de suas paixões em forma de guerra, assassínio, pilhagem ou rapto. É possível que os monarcas se arrependessem, pois eram sinceramente piedosos e, afinal de contas, o arrependimento era em si mesmo uma forma de paixão. A Igreja, porém, jamais conseguiu produzir neles a tranquila regularidade de uma boa conduta, como a que o empregador moderno exige e, às vezes, consegue obter de seus empregados. De que lhes valia conquistar o mundo, se não podiam beber, assassinar e amar como o espírito lhes exigia? E por que deveriam eles, com seus exércitos de altivos, submeter-se às ordens de homens letrados, dedicados ao celibato e destituídos de forças armadas? Apesar da desaprovação eclesiástica, conservaram o duelo e a decisão das disputas por meio das armas, e os torneios e o amor cortesão floresceram. Às vezes, num acesso de raiva, chegavam a matar mesmo eclesiásticos eminentes. Toda a força armada estava do lado dos reis, mas, não obstante, a Igreja saiu vitoriosa. A Igreja ganhou a batalha, em parte, porque tinha quase todo o monopólio do ensino e, em parte, porque os reis viviam constantemente em guerra uns com os outros; mas ganhou-a, principalmente, porque, com muito poucas exceções, tanto os governantes como o povo acreditavam sinceramente que a Igreja possuía as chaves do céu. A Igreja podia decidir se um rei devia passar a eternidade no céu ou no inferno; a Igreja podia absolver os súditos do dever de fidelidade e, assim, estimular a rebelião. Além disso, a Igreja representava a ordem em lugar da anarquia e, por conseguinte, conquistou o apoio da classe mercantil que surgia. Na Itália, principalmente, esta última consideração foi decisiva. A tentativa teutônica de preservar pelo menos uma independência parcial da Igreja manifestou-se não apenas na política, mas, também, na arte, no romance, no cavalheirismo e na guerra. Manifestou-se muito pouco no mundo intelectual, pois o ensino se achava quase inteiramente nas mãos do clero. A filosofia explícita da Idade Média não é um espelho exato da época, mas apenas do pensamento de um grupo. Entre os eclesiásticos, porém — principalmente entre os frades franciscanos — havia alguns que, por várias razões, estavam em desacordo com o Papa. Na Itália, ademais, a cultura estendeu-se aos leigos alguns séculos antes de se estender até ao norte dos Alpes. Frederico II, que procurou fundar uma nova religião, representa o extremo da cultura antipapista; Tomás de Aquino, que nasceu no reino de Nápoles, onde o poder de Frederico era supremo, continua sendo até hoje o expoente clássico da filosofia papal. Dante, cerca de cinquenta anos mais tarde, conseguiu chegar a uma síntese, oferecendo a única exposição equilibrada de todo o mundo ideológico medieval. Depois de Dante, tanto por motivos políticos como intelectuais, a síntese filosófica medieval se desmoronou. Teve ela, enquanto durou, uma qualidade de ordem e perfeição de miniatura: qualquer coisa de que esse sistema se ocupasse, era colocada com precisão em relação com o que constituía o seu cosmo bastante limitado. Mas o Grande Cisma, o movimento dos Concílios e o papado da renascença produziram a Reforma, que destruiu a unidade do Cristianismo e a teoria escolástica de governo que girava em torno do Papa. No período da Renascença, o novo conhecimento, tanto da antiguidade como da superfície da terra, fez com que os homens se cansassem de sistemas, que passaram a ser considerados como prisões mentais. A astronomia de Copérnico atribuiu à terra e ao homem uma posição mais humilde do que aquela que haviam desfrutado na teoria de Ptolomeu. O prazer pelos fatos recentes tomou o lugar, entre os homens inteligentes, do prazer de raciocinar, analisar e construir sistemas. Embora a Renascença, na arte, conserve ainda uma determinada ordem, prefere, quanto ao que diz respeito ao pensamento, uma ampla e fecunda desordem. Neste sentido, Montaigne é o mais típico expoente da época. Tanto na teoria política como em tudo o mais, exceto a arte, a ordem sofre um colapso. A Idade Média, embora praticamente turbulenta, era dominada, em sua ideologia, pelo amor da legalidade e por uma teoria muito precisa do poder político. Todo poder procede, em última análise, de Deus; Ele delegou poder ao Papa nos assuntos sagrados e ao Imperador nos assuntos seculares. Mas tanto o Papa como o Imperador perderam sua importância durante o século XV. O Papa tornou-se simplesmente um dos príncipes italianos, empenhado no jogo incrivelmente complicado e inescrupuloso do poder político italiano. As novas monarquias nacionais na França, Espanha e Inglaterra tinham, em seus próprios territórios, um poder no qual nem o Papa nem o Imperador podiam interferir. O Estado nacional, devido, em grande parte, à pólvora, adquiriu uma influência sobre o pensamento e o modo de sentir dos homens, como jamais exercera antes — influência essa que, progressivamente, destruiu o que restava da crença romana quanto à unidade da civilização. Essa desordem política encontrou sua expressão no Príncipe, de Maquiavel. Na ausência de qualquer princípio diretivo, a política se transformou em áspera luta pelo poder. O Príncipe dá conselhos astutos quanto à maneira de se participar com êxito desse jogo. O que já havia acontecido na idade de ouro da Grécia, ocorreu de novo na Itália renascentista: os freios morais tradicionais desapareceram, pois eram considerados como coisa ligada à superstição; a libertação dos grilhões tornou os indivíduos enérgicos e criadores, produzindo um raro florescimento do gênio, mas a anarquia e a traição resultantes, inevitavelmente, da decadência da moral, tornou os italianos coletivamente impotentes, e caíram, como os gregos, sob o domínio de nações menos civilizadas do que eles, mas não tão destituídas — de coesão social. Todavia, o resultado foi menos desastroso do que no caso da Grécia, pois as nações que tinham acabado de chegar ao poder, com exceção da Espanha, se mostravam capazes de tão grandes realizações como o havia sido a Itália. Do século XVI em diante, a história do pensamento europeu é dominada pela Reforma. A Reforma foi um movimento complexo, multiforme, e seu êxito se deve a numerosas causas. De um modo geral, foi uma revolta das nações do norte contra o renovado domínio de Roma. A religião fora a força que subjugara o Norte, mas a religião, na Itália, decaíra: o papado permanecia como uma instituição, extraindo grandes tributos da Alemanha e da Inglaterra, mas estas nações, que eram ainda piedosas, não podiam sentir reverência alguma para com os Bórgias e os Médicis, que pretendiam salvar as almas do purgatório em troca de dinheiro, que esbanjavam no luxo e na imoralidade. Motivos nacionais, motivos econômicos e motivos religiosos conjugaram-se para fortalecer a revolta contra Roma. Além disso, os príncipes logo perceberam que, se a Igreja se tornasse, em seus territórios, simplesmente nacional, eles seriam capazes de dominá-la, tornando-se, assim, muito mais poderosos, em seus países, do que jamais o haviam sido compartilhando o seu domínio com o Papa. Por todas essas razões, as inovações teológicas de Lutero foram bem recebidas, tanto pelos governantes como pelo povo, na maior parte da Europa Setentrional. A Igreja Católica procedia de três fontes. Sua história sagrada era judaica; sua teologia, grega, e seu governo e leis canônicas, ao menos indiretamente, romanos. A Reforma rejeitou os elementos romanos, atenuou os elementos gregos e fortaleceu grandemente os elementos judaicos. Cooperou, assim, com as forças nacionalistas que estavam desfazendo a obra de coesão nacional que tinha sido levada a cabo primeiro pelo Império Romano e, depois, pela Igreja Romana. Na doutrina católica, a revelação divina não terminava na sagrada escritura, mas continuava, de era em era, através da Igreja, à qual, pois, era dever do indivíduo submeter suas opiniões pessoais. Os protestantes, ao contrário, rejeitaram a Igreja como veículo da revelação divina; a verdade devia ser procurada unicamente na Bíblia, que cada qual podia interpretar à sua maneira. Se os homens diferissem em sua interpretação, não havia nenhuma autoridade designada pela divindade que resolvesse tais divergências. Na prática, o Estado reivindicava o direito que pertencera antes à Igreja — mas isso era uma usurpação. Na teoria protestante, não devia haver nenhum intermediário terreno entre a alma e Deus. Os efeitos dessa mudança foram importantes. A verdade não mais era estabelecida mediante consulta à autoridade, mas por meio da meditação íntima. Desenvolveu-se, rapidamente, uma tendência para o anarquismo na política e misticismo na religião, o que sempre fora difícil de se ajustar à estrutura da ortodoxia católica. Aconteceu que, em lugar de um único Protestantismo, surgiram numerosas seitas; nenhuma filosofia se opunha à escolástica, mas havia tantas filosofias quantos eram os filósofos. Não havia, no século XIII, nenhum Imperador que se opusesse ao Papa, mas sim um grande número de reis heréticos. O resultado disso, tanto no pensamento como na literatura, foi um subjetivismo cada vez mais profundo, agindo primeiro como uma libertação saudável da escravidão espiritual, mas caminhando, depois, constantemente, para um isolamento pessoal, contrário à solidez social. A filosofia moderna começa com Descartes, cuja certeza fundamental é a existência de si mesmo e de seus pensamentos, dos quais o mundo exterior deve ser inferido. Isso constitui apenas a primeira fase de um desenvolvimento que, passando por Berkeley e Kant, chega a Fichte, para quem tudo era apenas uma emanação do eu. Isso era uma loucura, e, partindo desse extremo, a filosofia tem procurado, desde então, evadir-se para o mundo do senso comum cotidiano. Com o subjetivismo na filosofia, o anarquismo anda de mãos dadas com a política. Já no tempo de Lutero, discípulos inoportunos e não reconhecidos haviam desenvolvido a doutrina do anabatismo, a qual, durante algum tempo, dominou a cidade de Wunster. Os anabatistas repudiavam toda lei, pois afirmavam que o homem bom seria guiado, em todos os momentos, pelo Espírito Santo, que não pode ser preso a fórmulas. Partindo dessas premissas, chegam ao comunismo e à promiscuidade sexual. Foram, pois, exterminados, após uma resistência heroica. Mas sua doutrina, em formas mais atenuadas, se estende pela Holanda, Inglaterra e Estados Unidos; historicamente, é a origem do “quakerismo”. Uma forma mais feroz de anarquismo, não mais relacionada Com a religião, surgiu no século XIX. Na Rússia, Espanha e, em menor grau, na Itália, obteve considerável êxito, constituindo, até hoje, um pesadelo para as autoridades americanas de imigração. Esta versão moderna, embora antirreligiosa, encerra ainda muito do espírito do protestantismo primitivo; difere principalmente dele devido ao fato de dirigir contra os governos seculares a hostilidade que Lutero dirigia contra os Papas. A subjetividade, uma vez desencadeada, já não podia circunscrever-se aos seus limites, até que tivesse seguido seu curso. Na moral, a atitude enfática dos protestantes, quanto à consciência individual, era essencialmente anárquica. O hábito e o costume eram tão fortes que, exceto em algumas manifestações ocasionais, como, por exemplo, a de Munster, os discípulos do individualismo na ética continuaram a agir de maneira convencionalmente virtuosa. Mas era um equilíbrio precário. O culto do século XVIII à “sensibilidade” começou a romper esse equilíbrio: um ato era admirado não pelas suas boas consequências, ou porque estivesse de acordo com um código moral, mas devido à emoção que o inspirava. Dessa atitude nasceu o culto do herói, tal como foi manifestado por Carlyle e Nietzsche, bem como o culto byroniano da paixão violenta, qualquer que esta seja. O movimento romântico, na arte, na literatura e na política, está ligado a essa maneira subjetiva de se julgar os homens, não como membros de uma comunidade, mas como objetos de contemplação esteticamente encantadores. Os tigres são mais belos do que as ovelhas, mas preferimos que estejam atrás de grades. O romântico típico remove as grades e delicia-se com os saltos magníficos com que o tigre aniquila as ovelhas. Incita os homens a imaginar que são tigres e, quando o consegue, os resultados não são inteiramente agradáveis. Contra as formas mais loucas do subjetivismo nos tempos modernos tem havido várias reações. Primeiro, uma filosofia de semicompromisso, a doutrina do liberalismo, que procurou delimitar as esferas relativas ao governo e ao indivíduo. Isso começa, em sua forma moderna, com Locke, que é tão contrário ao “entusiasmo” — o individualismo dos anabatistas como à autoridade absoluta e à cega subserviência à tradição. Uma rebelião mais extensa conduz à doutrina do culto do Estado, que atribui ao Estado a posição que o Catolicismo atribuía à Igreja, ou mesmo, às vezes, a Deus. Hobbes, Rousseau e Hegel representam fases distintas desta teoria, e suas doutrinas se acham encarnadas, praticamente, em Cromwell, Napoleão e na Alemanha moderna. O comunismo, na teoria, está muito longe dessas filosofias, mas é conduzido, na prática, a um tipo de comunidade bastante semelhante àquela e que resulta a adoração do Estado. Durante todo o transcurso deste longo desenvolvimento, desde 600 anos antes de Cristo até aos nossos dias, os filósofos têm-se dividido entre aqueles que querem estreitar os laços sociais e aqueles que desejam afrouxá-los. A esta diferença, acham-se associadas outras. Os partidários da disciplina advogaram este ou aquele sistema dogmático, velho ou novo, chegando, portanto, a ser, em menor ou maior grau, hostis à ciência, já que seus dogmas não podiam ser provados empiricamente. Ensinavam, quase invariavelmente, que a felicidade não constitui o bem, mas que a “nobreza” ou o “heroísmo” devem ser a ela preferidos. Demonstravam simpatia pelo que havia de irracional na natureza humana, pois acreditavam que a razão é inimiga da coesão social. Os partidários da liberdade, por outro lado, com exceção dos anarquistas extremados, procuravam ser científicos, utilitaristas, racionalistas, contrários à paixão violenta e inimigos de todas as formas mais profundas de religião. Este conflito existiu, na Grécia, antes do aparecimento do que chamamos filosofia, revelando-se já, bastante claramente, no mais antigo pensamento grego. Sob formas diversas, persistiu até aos nossos dias, e continuará, sem dúvida, a existir durante muitas das eras vindouras. É claro que cada um dos participantes desta disputa — como em tudo que persiste durante longo tempo — tem a sua parte de razão e a sua parte de equívoco. A coesão social é uma necessidade, e a humanidade jamais conseguiu, até agora, impor a coesão mediante argumentos meramente racionais. Toda comunidade está exposta a dois perigos opostos: por um lado, a fossilização, devido a uma disciplina exagerada e um respeito excessivo pela tradição; por outro lado, a dissolução, a submissão ante a conquista estrangeira, devido ao desenvolvimento da independência pessoal e do individualismo, que tornam impossível a cooperação. Em geral, as civilizações importantes começam por um sistema rígido e supersticioso que, aos poucos, vai sendo afrouxado, e que conduz, em determinada fase, a um período de gênio brilhante, enquanto perdura o que há de bom na tradição antiga e não se desenvolveu ainda o mal inerente à sua dissolução. Mas, quando o mal começa a manifestar-se, conduz à anarquia e, daí, inevitavelmente, a uma nova tirania, produzindo uma nova síntese, baseada num novo sistema dogmático. A doutrina do liberalismo é uma tentativa para evitar essa interminável oscilação. A essência do liberalismo é uma tentativa no sentido de assegurar uma ordem social que não se baseie no dogma irracional, e assegurar uma estabilidade sem acarretar mais restrições do que as necessárias à preservação da comunidade. Se esta tentativa pode ser bem sucedida, somente o futuro poderá demonstrá-lo. Notas Essa opinião não era desconhecida em tempos anteriores: foi exposta, por exemplo, na Antígona, de Sófocles. Mas, antes dos estoicos, eram poucos os que a mantinham. Eis aí porque o russo moderno não acha que deva obedecer mais ao materialismo dialético do que a Stalin. autor: Bertrand Russell fonte: Textos de Interesse Filosófico original: In Russell, B. (1977): História da Filosofia Ocidental, Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional.

domingo, 5 de janeiro de 2014

O declínio dos Estados Unidos

O declínio dos Estados Unidos
28 DEZEMBRO 2013 CLASSIFICADO EM INTERNACIONAL - IMPERIALISMO James Petras Num complexo quadro global em mutação no que diz respeito ao poderio económico das grandes potências e das potências emergentes, a potência hegemónica declina. Mas as estruturas do império norte-americano - corporativas, financeiras, militares e político-culturais - todas permanecem no mesmo lugar, prontas a recuperar o domínio se e quando surgirem as oportunidades políticas. A economia política mundial é um mosaico de correntes cruzadas. A decadência doméstica e o enriquecimento da elite, novas fontes para maiores lucros e um desencantamento político cada vez maior, o declínio de níveis de vida para luxos cada vez mais extravagantes, para uns poucos, perdas militares nalgumas regiões, com recuperação imperial noutras. Há clamores de uma configuração unipolar, multipolar e até não-polar de poder mundial. Onde, quando e a que ponto são estas afirmações válidas? Bolhas e explosões vão e vêem. Falemos antes dos «beneficiários»: aqueles que causam colapsos, e arrancam as melhores recompensas enquanto as suas vítimas não têm sequer direito a uma palavra. A economia da fraude e o estado criminoso prosperam promovendo a perversão da cultura e da iliteracia. O «jornalismo de investigação», ou reportagem de buraco de fechadura, é a moda. O mundo de poder gira descontrolado. Ao declinar os poderes no poder declaram «é a nossa lei ou a ruína de todos». Configuração global do poder O poder é uma relação entre classes, estados e instituições militares e ideológicas. Qualquer configuração de poder é contingente em lutas passadas e presentes reflectindo uma correlação de forças em mudança. Estruturas e recursos físicos, concentração de riqueza, armas e informação têm grande importância, constituem a moldura em que os manipuladores do poder se inserem. Mas estratégias para reter ou conseguir poder dependem de alianças seguras, entrada em guerra e negociações de paz. Acima de tudo, o poder mundial depende da força dos fundamentos domésticos. Isso requer uma economia produtiva dinâmica, um estado independente livre de ligações estrangeiras incómodas e de uma classe dirigente capaz de dominar recursos globais para «comprar» o consentimento local da maioria. Para examinar a posição dos Estados Unidos na configuração global de poder é necessário analisar as suas relações políticas e económicas em mudança a dois níveis: por região e por esfera de poder. A História não se move em padrões lineares ou de acordo com círculos recorrentes: derrotas militares e políticas em algumas regiões podem ser acompanhadas por vitórias significativas noutras. O declínio económico nalgumas esferas e regiões pode ser acompanhado por avanços pronunciados noutros sectores económicos e regiões. Na análise final, o problema não é manter o cartão de marcação ou adicionar lucros e subtrair perdas, mas traduzir os resultados regionais e sectoriais numa compreensão da direcção e estruturas emergentes da configuração do poder global. Comecemos por examinar o legado de guerras recentes na economia global, poder político e militar dos Estados Unidos. Manter o Império norte-americano: derrotas, retrocessos, avanços e vitórias A opinião dominante dos analistas mais críticos é que na última década o império norte-americano sofreu uma série de derrotas militares, entrou em declínio económico, e enfrenta agora uma competição séria e a previsão de mais derrotas militares. A evidência apresentada é impressionante. Os Estados Unidos foram forçados a retirar tropas do Iraque, após uma longa década de ocupação militar muito dispendiosa, deixando um regime ainda mais aliado ao Irão, o adversário regional dos Estados Unidos. A guerra do Iraque enfraqueceu a economia, retirou riqueza em petróleo às corporações americanas, fez crescer muito o orçamento de Washington e os défices comerciais e reduziu o nível de vida dos cidadãos americanos. A guerra do Afeganistão teve um resultado semelhante, com grandes custos externos, retirada militar, clientes frágeis, desinteresse doméstico e poucas ou nenhumas transferências de riqueza (pilhagens imperiais) para o Tesouro dos Estados Unidos ou corporações privadas. A guerra na Líbia destinou-se à destruição total de uma economia moderna rica de petróleo no Norte de África, a dissolução total da sociedade civil e de estado e a emergência de milícias tribais armadas e fundamentalistas contra os Estados Unidos e estados clientes da União Europeia do Africa do Norte e subsaariana. Em vez de continuar a aproveitar de acordos lucrativos de gás e petróleo com o regime conciliatório de Kadhafi, Washington decidiu uma «mudança de regime» entrando numa guerra que arruinou a Líbia e destruiu qualquer estado central viável. A «proxy war» actual na Síria fortaleceu os senhores da guerra islamitas radicais, destruiu a economia de Damasco e aumentou a pressão maciça de refugiados, que se juntaram aos milhares das guerras do Iraque e da Líbia. As guerras imperiais dos Estados Unidos resultaram em perdas económicas, instabilidade regional política e militar e lucros militares para os adversários islâmicos. A América Latina rejeitou em bloco os esforços norte-americanos para derrubar o governo venezuelano. O mundo inteiro à excepção de Israel e de Washington rejeitou o bloqueio de Cuba. Regiões de integração regional, que excluíram os Estados Unidos proliferam. As quotas norte-americanas declinaram já que a Ásia está a substituir os Estados Unidos no mercado da América Latina. Na Ásia, a China aumenta e aprofunda os seus laços económicos com todos os países chave, enquanto o «pivot» norte-americano é essencialmente um esforço num círculo de bases militares que envolvem o Japão, Austrália e as Filipinas. Por outras palavras, a China é mais importante do que os Estados Unidos para a expansão económica asiática, enquanto o financiamento chinês do comércio americano aumenta na economia norte-americana. Em África, as operações militares norte-americanas promovem essencialmente conflitos armados e levam a uma instabilidade maior. Enquanto os capitalistas asiáticos investem essencialmente em países africanos estratégicos, recolhem os lucros do seu «boom» de mercadoria, alargando os mercados e os lucros. A denúncia da rede global de espionagem Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos feriu seriamente as operações globais clandestinas de vigilância. Embora tenha podido ajudar corporações privilegiadas privadas, o investimento maciço norte-americano no ciber-imperialismo parece ter gerado um retorno diplomático e operacional negativo para o estado imperial. Em resumo, a visão global apresenta um quadro de revezes militares e diplomáticos nas políticas imperiais, perdas substanciais no Tesouro norte-americano e na erosão de apoio público. Mas esta perspectiva tem falhas sérias, especialmente no que diz respeito a outras regiões, relações e esferas de actividade económica. As estruturas fundamentais do império permanecem intactas. A NATO (OTAN), a principal aliança militar chefiada pelo Pentágono norte-americano, expande os seus membros e aumenta o seu campo de operações. Os Estados Bálticos, principalmente a Estónia, são o local de enormes exercícios militares quase ao lado das principais cidades da Rússia. Até há muito pouco tempo, a Ucrânia aproximava-se da União Europeia e a um passo da NATO. A Sociedade Trans-Pacífica liderada pelos Estados Unidos aumentou a sua presença nos países andinos, Chile, Peru e Colômbia. Serve como mola para enfraquecer os blocos comerciais regionais como o MERCOSUL e a ALBA, que excluem Washington. Entretanto a CIA, o Departamento de Estado e os seus canais ONG estão empenhados numa sabotagem económica externa e numa campanha para enfraquecer o governo nacionalista da Venezuela. Os banqueiros norte-americanos e os capitalistas trabalham para sabotar a economia, provocando a inflação (50%), falta de bens essenciais de consumo e cortes de energia. O seu controle sobre a maior parte da informação na Venezuela permite-lhes explorar o descontentamento popular culpando a deslocação popular devido à ineficiência do governo. Acima de tudo, a ofensiva norte-americana na América Latina centrou-se num golpe militar nas Honduras, sabotagem económica permanente na Venezuela, campanhas eleitorais e de informação na Argentina, e ciber-espionagem no Brasil, enquanto criam laços mais fundos com os regimes neo-liberais recentemente eleitos complacentes no México, na Colômbia, no Chile, no Panamá, Guatemala e na República Dominicana. Enquanto Washington perdeu influência na América Latina durante a primeira década no século XXI só parcialmente recuperou os seus clientes e sócios. A recuperação relativa da influência norte-americana ilustra o facto de que «mudanças de regime» e um declínio em quotas de mercado, não enfraqueceram os laços financeiros e corporativos ligando até os países progressistas aos poderosos interesses norte-americanos. A presença contínua de aliados poderosos políticos — mesmo os de «fora do governo» — permitem um trampolim para o aumento da influência norte-americana. Políticas nacionalistas e projectos de integração regional permanecem vulneráveis aos contra-ataques norte-americanos. Enquanto os Estados Unidos perderam influência nalguns países produtores de petróleo, diminuiu a sua dependência das importações de petróleo e gás como resultado de um grande aumento na produção de energia doméstica via «fracking» e outras tecnologias extractivas intensas. Uma auto-suficiência local maior significa menores custos de energia para os produtores domésticos e aumenta a sua competitividade em mercados mundiais, acrescendo a possibilidade de que os Estados Unidos possam recuperar quotas no mercado das suas exportações. O aparente declínio da influência imperial dos Estados Unidos no mundo árabe, devido à popular «primavera árabe» parou e até reverteu. O golpe militar no Egipto e a instalação e consolidação da ditadura militar no Cairo suprimiu as mobilizações populares de massas. O Egipto voltou à órbita dos Estados Unidos. Na Argélia, Marrocos e Tunísia os governos antigos e novos evitam novos protestos anti-imperialistas. Na Líbia, a força aérea da NATO norte-americana destruiu o regime nacionalista-popular de Kadhafi, eliminando um modelo alternativo de comércio à pilhagem neocolonial — mas não conseguiu até agora consolidar um regime cliente neoliberal em Trípoli. Em vez das gangues rivais armadas islâmicas, os assassinos étnicos monárquicos pilham e devastam o país. A destruição de um regime anti-imperialista não engendrou um cliente pró-imperialista. No Médio Oriente, Israel continua a desapossar os Palestinianos da terra e da água. Os Estados Unidos continuam a aumentar as manobras militares e a impor mais sanções económicas contra o Irão — enfraquecendo Teerão mas também diminuindo a riqueza e influência dos Estados Unidos devido à falta do mercado Iraniano lucrativo. Como na Síria, e os seus aliados da NATO destruíram a economia da Síria e a sua sociedade complexa, mas não serão os maiores beneficiários. Mercenários islâmicos conseguiram bases de operação enquanto o Hezbollah consolidou a sua posição como um interveniente regional significativo. Negociações actuais com o Irão abrem possibilidades aos Estados Unidos de minorar as suas perdas e reduzir a ameaça regional de uma nova guerra dispendiosa mas essas conversações estão a ser bloqueadas por uma «aliança» de um Israel militarista e sionista, a Arábia Saudita monárquica e a França «socialista». Washington tem perdido influência económica na Ásia para a China mas está a montar uma contra-ofensiva regional, baseada na sua rede de bases militares no Japão, nas Filipinas e na Austrália. Está a promover um novo acordo económico pan-pacífico que exclui a China. Isso demonstra a capacidade dos Estados Unidos de interferir e aumentar lucros imperiais. Mas anunciar novas políticas e organizações não é o mesmo que implementá-las e dar-lhes conteúdo dinâmico. Mas o cerco militar à China é anulado pela dívida de triliões de dólares a Pequim. Um cerco militar agressivo à China podia resultar numa venda maciça de dólares do Tesouro Americano e quinhentos investidores principais americanos a verem voar os seus investimentos. O poder dividido entre um poder estabelecido e um emergente, tal como a China e os Estados Unidos, não pode ser «negociado» via superioridade militar norte-americana. Ameaças e chicanas diplomáticas são meras vitórias diplomáticas mas só avanços económicos a longo prazo podem criar os cavalos de Tróia domésticos necessários para erodir o crescimento dinâmico da China. Mesmo hoje, a elite chinesa despende enormes somas para educar os seus filhos em «prestigiadas» universidades inglesas e norte-americanas onde são ensinadas doutrinas de economias de mercado livre e narrativas imperialistas. Na passada década, políticos chineses influentes e investidores ricos enviaram triliões de dólares em operações lícitas e ilícitas para bancos no exterior, investindo em grandes propriedades na América do Norte e na Europa e despachando milhões para paraísos fiscais. Hoje, há uma facção poderosa de economistas e conselheiros de elite financeira na China a forçar «a liberalização financeira», ou seja, a entrada da especulação especializada de Wall Street e da City de Londres. Enquanto as indústrias chinesas podem estar a ganhar a competição nos mercados estrangeiros, os Estados Unidos conseguiram e estão a conseguir superar os patamares da estrutura financeira da China. A quota norte-americana na América Latina pode estar a declinar, mas o valor absoluto do dólar comercial aumentou muito em relação à última década. Os Estados Unidos podem ter perdido clientes da ala direita na América Latina, mas os novos regimes centro-esquerda estão a colaborar activamente com a maioria das grandes companhias de mineração americanas e canadianas e com as casas de câmbio. O Pentágono não tem conseguido montar golpes militares, com a patética excepção das Honduras, mas ainda mantêm as suas relações estreitas com os militares da América Latina sob a forma de (1) política regional de «terrorismo», «narcotráfico» e «imigração», (2) dando treino técnico e doutrinação politica através dos programas «educacionais» militares e (3) e treinamento militar conjunto. Em resumo, as estruturas do império norte-americano, corporativas, financeiras, militares e político-culturais, todas permanecem no mesmo lugar, prontas a recuperar o domínio se e quando surgirem as oportunidades políticas. Por exemplo, um declínio agudo no preço de mercadorias provocaria igualmente uma crise funda e intensificaria os conflitos de classe entre os regimes centro-esquerda, que são dependentes de exportações agro-mineiras para ter fundos para os programas sociais. Em qualquer confrontação os Estados Unidos trabalhariam com e através dos seus agentes nas elites económica e militar para os regimes incumbentes e re-impor clientes neo-liberais. A fase actual de políticas pós neo-liberais e configurações de poder está vulnerável. O «declínio relativo da influência e poder» dos Estados Unidos podem ser revertidos mesmo que não regressem à sua configuração anterior. O ponto teórico é que enquanto as estruturas imperialistas permanecem no lugar e enquanto as suas contrapartidas no exterior mantêm posição estratégica, os Estados Unidos podem restabelecer a sua primazia na configuração global de poder. A redução de preços imperial não requer os «mesmos rostos de sempre». Novas figuras políticas, especialmente com credenciais progressistas e tons leves de uma ideologia «social» já jogam um papel nas novas redes centradas no império. No Chile, a nova presidente «socialista» Michele Bachelet, e no Peru o ex-nacionalista peruano, o presidente Ollanta Humala, são os maiores impulsionadores da Sociedade Trans-Pacífico, um bloco comercial que compete com o Mercosul nacionalista e a Alba, e exclui a China. No México, o cliente dos Estados Unidos, presidente Enrique Peña Nieto, está a privatizar a «jóia» da economia mexicana, PEMEX, a gigantesca companhia pública de petróleo — aumentando o poder de Washington sobre os recursos de energia regionais e aumentando a independência americana do petróleo do Oriente Médio. O presidente colombiano Santos, o «presidente da paz», está a negociar com entusiasmo o fim da guerrilha para expandir a exploração multinacional dos minérios e dos recursos energéticos localizados nas regiões da guerrilha, um projecto que vai beneficiar essencialmente as companhias petrolíferas dos Estados Unidos. Na Argentina, a companhia petrolífera estatal, Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF) assinou um acordo de «joint venture» com o gigante petrolífero Chevron, para explorar uma jazida enorme de gás e petróleo, conhecida como Vaca Muerte. Isso incrementará a presença norte-americana na Argentina na produção de energia juntamente com as maiores incursões feitas pela Monsanto no poderoso sector agro-comercial. Indubitavelmente a América Latina diversificou o seu comércio e os Estados Unidos decresceram. Os dirigentes da América Latina já não precisam tanto da «aprovação» do embaixador americano antes de anunciar os seus candidatos políticos. Os Estados Unidos estão completamente sozinhos no seu boicote a Cuba. A Organização dos Estados Americanos já não é um paraíso dos Estados Unidos. Mas há contra-tendências, reflectidas no novo pacto como TPP. Novos locais de exploração económica, que não são exclusivamente controladas pelos Estados Unidos, servem agora como molas para um maior poder imperial. Conclusão A economia norte-americana está estagnada e ainda não conseguiu voltar a levantar-se devido à sua busca de guerras imperiais em série. Mas, no Médio Oriente, o declínio dos Estados Unidos em comparação com o passado não tem sido acompanhado pela subida dos velhos rivais. A Europa está em grandes apuros, com um grande exército de desempregados, aumento crónico negativo e poucos sinais de recuperação num futuro próximo. Mesmo a China, o novo poder emergente global, está a decrescer de 11% para 7% na década actual. Pequim enfrenta um descontentamento popular crescente, a Índia como a China, estão a liberalizar os seus sistemas financeiros, abrindo-os à penetração e influência do capital financeiro dos Estados Unidos. As principais forças anti-imperialistas na Ásia e na África não se compõem de movimentos progressistas, seculares, democráticos e socialistas. Em vez disso, o império é confrontado com movimentos religiosos, étnicos, misoginistas e autoritários com tendências irredentistas. As antigas vozes seculares socialistas perderam o seu poder e apresentam «justificações perversas» para as guerras imperialistas de agressão na Líbia, Mali e Síria. Os socialistas franceses, que em 2003 se opuseram à guerra do Iraque, ouvem o seu presidente François Hollande a papaguear sobre o militarismo brutal do senhor da guerra de Israel, Netanyahu. A verdade é que a tese do «declínio do império norte-americano» e o seu corolário, a «crise dos Estados Unidos estão sublinhadas, limitadas e sem especificidade. Na verdade, não há alternativa imperial ou tendência moderna anti imperial para já. Enquanto é certo que o capitalismo ocidental está em crise, o capitalismo asiático emergente da China e da Índia enfrenta uma crise diferente resultante da sua exploração de classes selvagem e da suas mortíferas relações de casta. Se as condições objectivas estiverem «maduras para o socialismo», os socialistas, pelo menos os que têm presença política estão confortavelmente inseridos nos seus respectivos regimes imperiais. Os socialistas e marxistas no Egipto uniram-se aos militares para derrubar um regime islâmico conservador eleito, levando à restauração do clientismo imperialista no Cairo. Os «marxistas» franceses e ingleses apoiaram a destruição da Líbia e da Síria pela NATO. Numerosos progressistas e socialistas, na Europa e na América do Norte, apoiaram os senhores da guerra de Israel e/ou permaneceram silenciosos perante o poder dos sionistas nos ramos executivos e legislaturas. Se o imperialismo está a declinar, também o anti-imperialismo está. Se o capitalismo está em crise, os anticapitalistas também estão. Se os capitalistas procuram novos rostos e ideologias para reforçar as suas fortunas, não estará na hora de os anti-imperialistas e os anticapitalistas fazerem o mesmo? http://www.odiario.info/?p=3120

sábado, 4 de janeiro de 2014

TESES PARA O XV CONGRESSO DO PCB

TESES PARA O XV CONGRESSO DO PCB 03 JANEIRO 2014
- XV CONGRESSO A Estratégia e a Tática da Revolução Socialista no Brasil Introdução 1) A meta estratégica do Partido Comunista Brasileiro é a conquista do poder político pela classe trabalhadora e seus aliados fundamentais, organizados no Bloco Revolucionário do Proletariado, cujo objetivo central é a construção da sociedade socialista, período transitório para a emancipação do proletariado na sociedade comunista. A conquista revolucionária do poder político envolve dois aspectos fundamentais: a) a participação dos trabalhadores como sujeito da ação histórica contra o capitalismo e a sociedade burguesa; b) a organização e o fortalecimento dos instrumentos políticos revolucionários capazes de dirigir a disputa pela hegemonia do proletariado na sociedade, fazendo uso das formulações teóricas e políticas que embasam a teoria social desenvolvida por Marx, Engels, Lênin e outros revolucionários. 2) É no terreno concreto da luta de classes que o PCB trabalha para consolidar-se como um dos principais instrumentos revolucionários, desenvolvendo uma plataforma política capaz de construir uma alternativa real de poder para os trabalhadores. Neste processo histórico, o Partido objetiva se tornar um dos aglutinadores da radicalidade da transformação socialista, contribuindo para a unidade de ação de todas as forças do Bloco Revolucionário, como um formulador de uma política de classe, avançada e independente, política esta que dirija as forças anticapitalistas para a revolução socialista. 3) Desde 1992, quando demos início ao processo de reconstrução revolucionária do PCB, logo após a ruptura com setores que queriam liquidar o partido seguindo uma linha abertamente de direita, vimos afirmando a estratégia da Revolução Socialista como o caminho a ser trilhado pela classe trabalhadora e seus aliados fundamentais para a destruição do Estado capitalista e da sociedade burguesa, no rumo do socialismo no Brasil. A estratégia da Revolução Socialista consolidou-se definitivamente entre nós no XIV Congresso, realizado em outubro de 2009. Nossas resoluções políticas e de organização foram aprofundadas nas Conferências de Organização (2008) e de Tática (2011). 4) Se no XIII Congresso (2005) já havíamos rompido com o governo Lula, no XIV Congresso avançamos para a formulação da necessidade de construção do Bloco Revolucionário do Proletariado, visando ao aprofundamento das lutas contra o bloco dominante, formado hoje, fundamentalmente, pela burguesia monopolista, pelo monopólio capitalista da terra e pelo imperialismo. A orientação central da estratégia do PCB pode ser assim resumida: “uma vez constatado que o capitalismo no Brasil já atingiu a etapa monopolista, fica claro que o processo revolucionário brasileiro é de caráter socialista” (Resoluções do XIII Congresso). 5) No XIV Congresso, consideramos que o Brasil se tornou um país capitalista completo, ou seja, uma formação social capitalista na qual predominam as relações de trabalho assalariadas, a propriedade privada burguesa dos meios de produção, as formas de produção e acumulação ampliada de capitais que completaram seu caminho até a formação dos oligopólios, formas estas inseparavelmente ligadas ao modelo imperialista que determina as relações econômicas mundiais. O Brasil desenvolveu um parque industrial oligopolista, setores de infraestrutura de mineração, energia, armazenagem, transporte, portos e aeroportos, malhas urbanas, um comércio nacional e internacional, capitalizou o campo, gerou a estrutura moderna da agricultura, um sistema financeiro interligado ao mercado mundial e uma malha logística de serviços e ações públicas necessárias à reprodução das relações burguesas de produção. 6) Trata-se de uma economia capitalista que já atingiu sua completude, ou seja, já consolidou plenamente seu parque industrial, seu mercado interno, estendeu à produção agrícola as mais avançadas técnicas de organização e exploração capitalistas, criou e desenvolveu o capital financeiro. Toda essa estrutura, altamente complexa e diversificada, está plenamente integrada aos fluxos internacionais de reprodução do capital. Tal integração ao sistema capitalista mundial verifica-se na reprodução de práticas imperialistas, que podem ser observadas através da exportação de capitais de empresas brasileiras pelo mundo afora, tal como Vale do Rio Doce, Santista, Friboi, Odebrecht, Gerdau, Votorantim, Petrobras, entre outras, fato que não elimina a sua subordinação aos polos centrais do capitalismo mundial. 7) Próprio do desenvolvimento desigual e combinado desse modo de produção, a particularidade brasileira absorve e reproduz o capitalismo em toda sua complexidade atual, mas não elimina a posição de autonomia relativa da economia do país frente ao imperialismo mundial, pois o caráter da integração reproduz a histórica associação subordinada da burguesia que se constituiu no país – mesmo que com novos formatos históricos. É preciso, pois, reconhecer a existência de inúmeras relações de interdependência entre a estrutura econômica brasileira e o sistema capitalista internacional, como em certas áreas do comércio exterior e na constituição de diversas cadeias produtivas. Podemos afirmar, enfim, que a formação social brasileira atual, em todas as suas dimensões, produz e reproduz a forma própria da sociedade capitalista, na qual o eixo central da luta de classes passa pelo confronto de interesses entre o proletariado e a burguesia. 8) A burguesia brasileira é formada por diversas frações: a industrial, a bancária/financeira, a comercial, a agrária, o grande empresariado do setor de transportes, a oligarquia que controla as comunicações no Brasil (toda a rede de TV, controlada por 8 famílias, e os maiores jornais e rádios do país) e uma facção que contrata serviços diversos formados pela mercantilização crescente de setores como os da saúde, educação e outros. Ao mesmo tempo, o capital subordina ao mercado e ao processo ampliado de acumulação de capitais todos os setores que mantêm, residualmente, relações não capitalistas. É o que ocorre no campo, onde predomina a proletarização promovida pela grande produção agrária oligopolista (o chamado agronegócio) associada à formação de um proletariado precarizado, combinadas ou não com a pequena propriedade dedicada à agricultura familiar ou com formas coletivas de trabalho (cooperativas, assentamentos), as quais cada vez mais são forçadas a se vincular ao mercado e à lógica do capital. 9) Com o crescimento e a consolidação da moderna economia industrial monopolista, generalizou-se o assalariamento e formou-se um numeroso proletariado, caracterizado como o conjunto dos trabalhadores que só podem viver mediante a venda de sua força de trabalho. O núcleo central dos assalariados é o setor operário, formado pelos trabalhadores produtivos, explorados diretamente pelo capital e que passou por grandes transformações a partir dos anos 1990. Ao contrário do que se apregoou com o suposto “fim do trabalho”, o operariado industrial brasileiro cresceu em números absolutos e desconcentrou-se territorialmente, tendo ainda se fragmentado com a terceirização e a descentralização das empresas. O operariado industrial é o setor da classe trabalhadora estrategicamente posicionado no coração da economia capitalista, do ponto de vista da luta de classes. 10) A urbanização crescente e a criação de uma infraestrutura para o desenvolvimento da acumulação capitalista geraram camadas urbanas intermediárias que vão desde setores gerenciais, profissionais assalariados, pequenos e médios comerciantes, técnicos especializados, professores, pesquisadores, médicos, advogados e outros profissionais. Parte destas camadas médias passou, nos últimos anos, por uma intensa proletarização, transformando-se em assalariados do capital. Ao lado destes profissionais proletarizados, somam-se funcionários públicos nos diferentes setores de ação do Estado, compondo uma numerosa camada heterogênea, com condições de trabalho e remuneração diversas, a qual sofreu uma precarização crescente nos últimos governos neoliberais. 11) O exército industrial de reserva é formado por um subproletariado, ou seja, um proletariado precarizado, submetido a relações de trabalho cada vez mais precárias e incertas. Estes trabalhadores estão inseridos nas condições gerais da acumulação de capitais, como força de trabalho abundante e barata, de diferentes modos: como operadores da chamada economia informal, como consumidores e agentes da economia política da criminalidade ou como base de massa e objeto de ação de uma rede de assistencialismo e de “filantropia” formada pelo chamado terceiro setor. Parte desta superpopulação relativa mantém vínculos políticos e culturais com o proletariado, uma vez que se forma constantemente de expropriados, funcionalmente utilizados pelo capital como forma de manter o valor da força de trabalho em níveis aceitáveis para a acumulação de capitais. 12) Assim, a estrutura de classes no Brasil apresenta um polo burguês, hegemonizado pela grande burguesia monopolista, e um polo proletário, composto pela imensa massa de assalariados urbanos e rurais, constituindo, assim, as duas classes antagônicas da luta de classes no Brasil. Do lado delas coexistem segmentos ou setores médios que tendem ao assalariamento, um campesinato heterogeneamente formado pela agricultura familiar, cooperados, assentados e pequenos proprietários e um proletariado precarizado imerso em uma superpopulação relativa inserida de maneira precária e brutal nas condições do mercado capitalista. O capitalismo contemporâneo: tendências gerais 13) Nos últimos anos, o capitalismo tem vivido processos de crise e expansão cada vez mais curtos e constantes. Todas as crises econômicas recentes vivenciadas pelo capitalismo em nível mundial repercutem o mesmo fenômeno analisado por Marx em O Capital: quanto mais cresce o capital, mais ele produz a crise que é concernente a sua natureza. As crises do capitalismo contemporâneo, a partir, principalmente de sua maturidade, com a passagem para a fase monopolista e imperialista no século XIX, são crises de superacumulação que se combinam com manifestações de superprodução e queda tendencial da taxa de lucro. 14) Vejamos como Marx desvendou o fenômeno: a) quanto mais cresce a concorrência entre os capitalistas, menor é a livre concorrência e maior é a tendência ao monopólio; b) nas condições de uma concorrência entre monopólios, os capitalistas, para aumentar a produtividade do trabalho, tendem sempre a investir mais em capital constante (máquinas, instalações, novas matérias primas, etc) e menos em capital variável (compra da força de trabalho), alterando drasticamente a composição orgânica do capital em favor do trabalho morto; c) o resultado é a tendência geral à queda na taxa de lucro, porque o trabalho vivo – única fonte de valor – é substituído por trabalho morto, que somente transmite às mercadorias a mesma quantidade de valor já incorporada nos meios de produção. Consequentemente, reduz-se a capacidade das empresas de reinvestirem seus lucros na produção e explodem as crises. 15) A crise econômica atual, que culminou com a explosão do sistema financeiro centrado nos Estados Unidos, rapidamente se alastrou pela Europa e impactou o restante do mundo. Na Europa, os efeitos mais violentos da crise verificam-se nos países mais fragilizados economicamente: Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda, Itália, Chipre, em decorrência da política desenvolvida pela União Europeia em favor do Euro, a qual contribuiu ainda mais para a concentração de capital e para o fortalecimento das corporações monopolistas, favorecendo, acima de tudo, as empresas da Alemanha e da França e a praça financeira da Inglaterra. 16) As respostas apresentadas pelos governos dos países centrais à bancarrota que se generalizou após 2008 combinaram elementos de ajuda estatal ao sistema financeiro, de estatização de bancos e socorro a empresas de grande porte com o reforço ao desmonte das políticas sociais e o ataque redobrado aos direitos dos trabalhadores. Enormes somas de dinheiro público foram destinadas às grandes empresas afetadas pela crise e ao sistema financeiro, ao passo que os trabalhadores voltavam a sofrer com a retirada de direitos, desemprego em massa, redução de salários e outras medidas que, sistematicamente, vêm sendo adotadas pelos capitalistas desde o início do desmonte das políticas de Bem Estar Social, nos anos de 1970/80. 17) A tendência geral do capitalismo atual, em função do acirramento da concorrência internacional e da expansão das relações capitalistas em praticamente todas as áreas físicas do planeta, é a de reduzir os mais amplos contingentes populacionais à condição de força de trabalho plenamente disponível e livre para servir aos interesses e às necessidades do capital. Formas renovadas de expropriação são criadas para destruir laços sociais e ordenamentos jurídicos que, ao longo da história de lutas dos trabalhadores, funcionaram como freios à dominação irrestrita do trabalho pelo capital. Ao lado de persistir a expropriação sobre pequenos agricultores, tendo em vista subsistirem grandes massas destes passíveis de se tornarem trabalhadores assalariados (como na China, Índia, América Latina e África, por exemplo), outras expropriações seguem conduzindo grande número de trabalhadores à plena disponibilidade para o mercado de força de trabalho, buscando quebrar a resistência dos trabalhadores à exploração. 18) Uma das formas de intensificar a extração do valor e que mais incide diretamente sobre a capacidade de organização e de resistência do proletariado à exploração é a que promove a fragmentação do espaço produtivo e a separação dos trabalhadores em inúmeras unidades fabris. Trata-se da expropriação da resistência operária por proximidade no local de trabalho, decorrente da introdução de novas tecnologias produtivas e de outros mecanismos que permitem aprofundar a cooperação entre os trabalhadores dispensando sua reunião física. No interior do processo produtivo, formas cada vez mais sofisticadas de gerenciamento da produção, associadas à utilização de tecnologias frequentemente renovadas, impõem aos trabalhadores a submissão à lógica do capital dentro e fora do espaço produtivo. 19) Outras formas de expropriação estão ligadas à retirada dos direitos sociais e trabalhistas conquistados à custa de um longo processo histórico de lutas operárias. Diferentes formatos jurídicos foram criados para disciplinar a relação de trabalho em favor de sua plena utilização pelo capital: subcontratações, terceirizações, formação de cooperativas de fachada, trabalho “informal”, “voluntariado”, renúncia ao contrato formal, ou, ainda, a figura do trabalhador “pessoa jurídica”, que, mobilizado pela falácia do “empreendedorismo”, se converte individualmente numa empresa fictícia para vender sua força de trabalho, sem os direitos associados legalmente à contratação tradicional. 20) Tais exemplos de “reestruturação produtiva” e “desregulamentação do mercado de trabalho”, com vistas à plena “empregabilidade” ou “trabalhabilidade” (para usar termos recorrentes no jargão burguês contemporâneo) do sujeito obrigado a vender sua força de trabalho para sobreviver, nada mais são do que formas atualizadas de dominação, com o duplo sentido de disponibilizar grandes contingentes de pessoas para o trabalho assalariado e de fazer valer a hegemonia do capital, por meio de um processo alienante de difusão da ideologia burguesa. Isto porque tais mecanismos de expropriação do trabalho vêm acompanhados de intensa campanha ideológica voltada a convencer a todos de que se trata da conquista da liberdade individual perante a opressão do trabalho (não do proprietário dos meios de produção). Propala-se a ideia, difundida pelo “empreendedorismo”, de que cada um pode ser “patrão de si mesmo”. 21) As novas condições de exploração, que se impõem tanto pela violência quanto pelo convencimento, obrigam às mais abjetas sujeições em troca da subsistência do trabalhador, a começar pela ameaça permanente do desemprego: a requalificação dos trabalhadores, que devem interiorizar a necessidade de uma autoempregabilidade; a instauração de formas de “parceria” ocultando relações de exploração, por meio de cooperativas, contratos temporários, formas de “voluntariado”, etc. Tudo isso é difundido como se fosse absolutamente novo, como se não fosse da natureza mesma das relações sociais de produção capitalistas, desde seus primórdios, promover a separação entre trabalhadores e condições sociais de trabalho, com vistas à permanente criação de grandes contingentes de “pobres laboriosos” livres, “essa obra de arte da história moderna”, como dizia Marx. 22) Longe do suposto “fim do trabalho”, tais expropriações demonstram a importância da força de trabalho no mundo capitalista de hoje. À expropriação capitalista corresponde, no extremo oposto da mesma relação, a gigantesca concentração de recursos em mãos dos capitalistas, recursos que precisam ser constantemente valorizados e aplicados na própria exploração dos trabalhadores. A profunda transformação da base tecnológica foi extremamente útil não apenas para transferir capitais de um lado a outro, posto que, isolado, o acúmulo de dinheiro não produz mais-valor, mas para, simultaneamente, fragmentar o conjunto da classe trabalhadora. A reestruturação produtiva do capitalismo contemporâneo, portanto, é parte integrante do processo imperialista, resultante da ação hoje hegemônica do capital financeiro. 23) O capital financeiro, apesar de ter-se amplamente disseminado o mito da existência de atividades puramente monetárias e especulativas, sem envolvimento algum com a produção, está completamente envolvido com os processos de extração de mais-valor e somente pode continuar existindo caso impulsione sem cessar essa extração. Inicialmente meros depositários ou intermediários dos lucros dos grandes empresários capitalistas, no processo histórico de formação e desenvolvimento do capital financeiro, os bancos tornaram-se também proprietários de capital voltado ao investimento na produção, precisando fazer expandir frequentemente as relações sociais capitalistas. 24) Ao mesmo tempo, há um intenso movimento especulativo, que passa a integrar a dinâmica da expansão do capital, gerando um capital fictício através da multiplicação de papéis e títulos sem correspondência real com os capitais respaldados efetivamente no processo de produção. O descompasso entre o capital fictício e o capital lastreado na produção direta de valor vem fomentando as recorrentes crises capitalistas da atualidade. A continuidade das atividades especulativas na fase atual do capitalismo indica, no entanto, que a base social da acumulação capitalista permanece fundamental, pois a concentração desses capitais só fez aprofundar a exigência de valorização de tais massas de recursos sob todas as formas de exploração da força de trabalho. 25) A hegemonia do capital se constrói a partir mesmo das relações de produção e busca envolver a totalidade social. Ao mercantilizar tudo e todos à sua volta, o capital expande seus domínios para o conjunto das relações sociais: as expropriações avançam sobre diversas formas de solidariedade comunitária e cultural, sobre conquistas sociais tais como a saúde e a educação públicas (direitos sociais que se transformam, cada vez mais, em produtos e serviços disponíveis no mercado, como quaisquer mercadorias), sobre os movimentos sociais, que sofrem renovados processos de criminalização, sobre os direitos políticos, com a redução das conquistas democráticas ao mero jogo eleitoral. 26) Todo esse quadro nos leva a reflexões fundamentais para o avanço da luta contra o capitalismo: em primeiro lugar, reafirma-se categoricamente a contradição entre capital e trabalho como a contradição fundamental a exigir a organização da classe trabalhadora na luta contra o sistema capitalista. A luta central, pois, é entre classes, não entre nações. Mais do que nunca, coloca-se na ordem do dia a estratégia revolucionária de luta pelo socialismo. Em segundo lugar, se as mutações sofridas pela classe trabalhadora no quadro do redimensionamento global do capitalismo contemporâneo acarretaram alterações muito expressivas no conjunto do proletariado, fazendo com que, nos dias atuais, ela difira bastante do proletariado industrial identificado como sujeito revolucionário do Manifesto do Partido Comunista, é ainda esse contingente humano de trabalhadores que identificamos, por sua posição central no processo de produção de riquezas, como capacitado a assumir o protagonismo na luta de classes, rumo à construção do socialismo e da sociedade comunista. A hegemonia burguesa no Brasil 27) No Brasil, a construção da sociedade burguesa e de seu Estado se insere no processo tardio de formação do capitalismo e da própria burguesia enquanto classe dominante, como resultado da herança histórica colonial. Daí que o Estado burguês tenha se desenvolvido não como fruto de uma revolução burguesa clássica, mas em consequência de disputas e conflitos gestados e solucionados entre os grupos e classes dirigentes, sem a participação dos setores proletários. Cabe ressaltar que, ao longo da história nacional, essas classes dirigentes exerceram o controle do poder político em decorrência do monopólio dos principais meios de produção. Nesta forma particular de constituição da hegemonia capitalista, em que pesem as diferentes formas assumidas de poder político, a característica central foi a predominância dos aspectos repressivos e coercitivos no exercício da dominação. Prova disso foi o constante recurso aos golpes e às intervenções armadas da parte da classe dominante, desde a proclamação da República até a ditadura inaugurada com o golpe militar de 1964, apoiada e financiada pela burguesia nacional e internacional. 28) O período ditatorial marcou a consolidação do bloco dominante burguês, hegemonizado pela burguesia monopolista, em aliança com o latifúndio tradicional e o imperialismo. Este bloco organizou o assalto ao poder de Estado em 1964, colocando fim ao período de legalidade burguesa anterior e interrompendo o ascenso político das massas populares verificado desde a década precedente. O golpe explicitou o caráter marcadamente autocrático da burguesia internamente instalada, através de uma política própria de governos classicamente bonapartistas, que se utilizam do expediente da força militar para impor uma ordem social que se adeque aos seus interesses de classe. 29) Consolidado este objetivo, o processo de dominação burguesa se completou com a transição da ditadura ao Estado de Direito burguês. O período de abertura política serviu, fundamentalmente, para promover a incorporação das massas urbanas e dos trabalhadores ao ordenamento jurídico-político burguês, de que é expressão significativa a afirmação de um conjunto de regras democráticas, como a ampliação do direito ao voto, e de direitos sociais e trabalhistas, sacramentados na Constituição de 1988. Formou-se, assim, uma sociedade civil-burguesa com um conjunto de instituições enraizadas e, em parte, legitimadas no corpo da sociedade, tendo se afirmado a hegemonia liberal burguesa através de um regime formalmente democrático, num processo que se completa com o estabelecimento de poderoso monopólio capitalista nas telecomunicações, na informação e na organização da cultura, responsável por aprimorar e fortalecer a dominação ideológica em favor da burguesia. 30) É certo que este processo de consolidação da ordem burguesa no Brasil não se deu sem conflitos. Nos estertores da ditadura, travou-se uma luta entre os grupos burgueses dominantes e o bloco de forças políticas e sociais formado pelos trabalhadores e setores das camadas médias, à época sob a forte influência do PT e de outros setores de esquerda, juntamente a inúmeras entidades de massas e movimentos e organizações políticas que se destacaram na resistência ao regime ditatorial e nas lutas democráticas do período anterior. Em que pese a eclosão de inúmeras greves e manifestações populares durante a chamada abertura, o resultado final deste embate, em meio a um contexto internacional de crise do movimento socialista e de ofensiva neoliberal, foi o amoldamento à ordem liberal burguesa das instituições forjadas na luta contra a ditadura. 31) O transformismo operado no interior das principais organizações de esquerda do período – com destaque para o PT e a CUT – conduziu-as a uma postura de abandono das propostas radicalizadas de sua origem e de limitação da luta dos trabalhadores aos marcos impostos pela ordem hegemônica burguesa. Isto representou, na esfera política, a sanção das principais organizações representativas dos trabalhadores ao poder instituído, culminando, na década de 1990, com a franca afirmação de uma democracia reduzida às estratégias ditadas pelo capital. Esta situação se explica em parte pela burocratização e acomodação das direções partidárias e sindicais e das principais organizações representativas dos trabalhadores e da juventude (vide CUT e UNE) e, por outra, pela prática de considerar, como um fim em si mesmo, a participação em espaços institucionais e no interior do Estado burguês (em cargos nas esferas de governo e do parlamento). 32) Ao longo dos últimos trinta anos, o espaço político conquistado através das lutas contra a ditadura transformou-se em formas de apassivamento das massas trabalhadoras às regras de um jogo eleitoral calcado nos velhos vícios fisiológicos, na corrupção, na manipulação ideológica, no mercado de votos e no marketing elaborado por grandes empresas de publicidade, que vendem candidatos como produtos ligados à competência administrativa e à capacidade de melhor gerenciar a crise produzida pelo capital. Nos períodos não dedicados às campanhas eleitorais, a participação política restringe-se ao modelo de cidadania incapaz de abalar as estruturas do sistema, pois voltado à administração de problemas de maneira não conflituosa, por meio de mecanismos institucionais, iniciativas legislativas e ações judiciais. O eixo das lutas de massas foi, assim, deslocado para a representação política e institucional, buscando-se quebrar o protagonismo dos trabalhadores e estimulando a articulação dos movimentos sociais em torno de lutas ligadas ao atendimento a demandas específicas (como as de gênero, etnia, orientação sexual, culturais, etc.) desvinculadas das lutas gerais contra a exploração capitalista. 33) A ascensão do PT ao poder só fez avançar a proposta de realização de um “pacto nacional” de submissão consentida do conjunto da sociedade à hegemonia burguesa, por meio de programas como o Fome Zero e outros, que deveriam mobilizar ONGs, empresas, instituições religiosas, sindicatos e escolas num mutirão de combate à fome, instituindo a parceria da “sociedade civil organizada” com o Estado. O apelo ao tratamento compensatório à fome e à miséria de parte da população integra a estratégia de construção do consenso em torno do projeto de transformação do Brasil em um país de capitalismo avançado com “face humana”. A economia política do capital e a filantropização da questão social encontram sua unidade na manutenção da economia de mercado capitalista, ou seja, a economia privada deve dar lucros, o Estado arrecadar e, depois de garantir os prioritários interesses do grande capital, deve chegar, de maneira focalizada, até pontos da miserabilidade, para amortecer a explosividade da miséria. 34) Esta estratégia ajuda a encobrir, de um lado, o processo avançado de privatização dos serviços públicos e de transferência da responsabilidade do Estado para a esfera privada (através de contratos com Organizações Sociais – OSs, por exemplo), acompanhado da retirada dos direitos sociais. De outro, percebe-se a tentativa de evitar o acirramento da luta de classes, criando espaços institucionais de participação dos indivíduos e entidades associativas para o encaminhamento de reivindicações e a resolução de problemas de forma pragmática, na lógica da colaboração e sem resvalar para o campo da contestação ao status quo. 35) A combinação eficiente de consenso e coerção garante a reprodução do domínio da ordem monopolista burguesa. A subordinação dos trabalhadores à ordem institucional burguesa e aos imperativos do capital e do mercado se processa por um conjunto de mecanismos de dominação: manipulação ideológica pelos meios de comunicação, ações permanentes no interior da empresa para a colaboração de classe, promoção da cultura do individualismo, incentivos materiais como participação nos lucros e resultados e cooptação pura e simples das lideranças sindicais. Quando esses métodos não funcionam, as classes dominantes lançam mão da repressão e da violência policial sobre todos aqueles que se levantam contra essa ordem, promovendo a criminalização dos movimentos sociais, da pobreza e da militância anticapitalista. 36) Mas é preciso reconhecer a existência de disputas políticas entre distintas frações de classe no interior do bloco hegemônico burguês. A disputa política institucional principal no Brasil de hoje se dá entre duas alternativas no campo do capital: uma representada, fundamentalmente, pela aliança liderada pelo PSDB (que inclui legendas ultraconservadoras como o DEM) e outra representada pelo bloco de partidos que sustentam o governo do PT, tendo o PMDB como principal aliado. Esta disputa se faz dentro dos limites de um grande consenso burguês, que tem por base a manutenção da macropolítica econômica, a manutenção e aprofundamento da lógica de mercado, o papel do Estado como garantidor dos interesses do capital monopolista e amortizador da luta de classes e o abandono de qualquer alternativa, mesmo reformista, que possa implicar em mudança dos marcos do “novo pacto social”. 37) Em outras palavras, em que pesem algumas diferenças, o bloco liberal burguês encontra uma unidade estratégica em forças políticas que divergem na tática. PSDB e PT, como polos dessas alternativas, disputam a confiança das classes dominantes e o controle da máquina de governo – e, a partir daí, a ocupação de cargos e o manejo do jogo político tradicional que se perpetua – não como dois projetos essencialmente antagônicos, mas como forças políticas diferentes de um mesmo projeto, que tem por base a manutenção das relações capitalistas de produção, a propriedade privada, a economia de mercado e a integração do capitalismo brasileiro ao sistema imperialista. 38) Por trás destas expressões políticas, formou-se um bloco de classe burguês que, mesmo com disputas entre as frações que o compõem, mantém a hegemonia conservadora sobre a sociedade brasileira: a burguesia monopolista, a nova burguesia monopolista agrária, a pequena burguesia e o capital financeiro (nacional e internacional), este último exercendo papel preponderante na condução da lógica de reprodução do capitalismo em sua atual fase de internacionalização. Junte-se à composição deste bloco, uma fração oriunda do proletariado que, recrutada nas burocracias partidárias e sindicais, passou por um processo de transformismo em seu posicionamento de classe e age politicamente no sentido de cooptar o conjunto do proletariado, garantindo o apoio desta classe ao governo e ao projeto político-econômico por este encarnado, afastando-se cada vez mais de suas origens de classe. 39) O posicionamento do governo atual na dinâmica da luta de classes deve ser entendido pelo caráter do programa e da ação política objetiva que reproduz, não pela origem de classe de seus membros. Neste sentido, tal governo é o principal representante de uma política que propõe a conciliação e a harmonização entre o capital e o trabalho, nos marcos de uma política “republicana” que supostamente atenderia aos interesses de “toda” a sociedade, proposições próprias do ideário liberal, portanto burguês, em sua fase histórica de explícito recuo conservador. A lógica política é a da conciliação de classe, do interesse da “nação” acima dos interesses de classes, da harmonização dos conflitos e, principalmente, da crença que o desenvolvimento da economia capitalista resolve as desigualdades sociais através do “ciclo virtuoso” da produção, emprego, consumo, e que aos mais miseráveis, o Estado deve contemplar com políticas compensatórias. Explicitando seu conteúdo ideológico, afirmamos: trata-se de um projeto burguês. 40) Essa fração do proletariado que aderiu ao projeto burguês se transformou em principal “gestora” do capitalismo brasileiro na última década. Assim, ocupando cargos em todos os níveis do governo federal – inclusive como integrantes dos conselhos de administração de grandes empresas estatais e como representantes de fundos de pensão – os principais quadros políticos do PT e da CUT passaram à defesa do projeto burguês, cuja lógica financeira orienta o posicionamento econômico do governo. Só podemos concluir que o governo e seu projeto de pacto alinharam-se aos interesses do capital monopolista, na cidade e no campo, e ajudaram a consolidar e legitimar a hegemonia burguesa liberal, compondo assim o bloco conservador e a aliança com a burguesia monopolista (que inclui o agronegócio e a burguesia bancária) e o imperialismo. A Estratégia Socialista da Revolução Brasileira 41) Afirmamos que a Revolução Brasileira é uma Revolução Socialista, considerando que o Brasil é uma formação social capitalista desenvolvida e monopolista, que a burguesia monopolista nacional/internacional constituiu-se em classe hegemônica e dominante; que o Estado brasileiro é um Estado burguês e que o processo político da luta de classes no ciclo recente produziu um bloco liberal burguês hegemônico e dominante, formado pela aliança entre a grande burguesia monopolista, o monopólio capitalista da terra, o imperialismo e um setor político da pequena burguesia política que, através de burocracias partidárias e sindicais e o controle de mecanismos de governo, buscam cooptar o proletariado e neutralizar suas ações; considerando ainda que um bloco proletário procura resistir na direção de uma contra-hegemonia que aponta para uma meta de superação do capitalismo e da necessidade de uma sociedade socialista. 42) Sob todos os aspectos, a hegemonia burguesa consolidou-se plenamente no Brasil. A economia capitalista desenvolveu-se até o estágio monopolista, tendo se constituído uma sociedade civil-burguesa e um “Estado de Direito”. O capitalismo brasileiro é parte do processo de acumulação mundial e parte constitutiva do sistema de poder imperialista no mundo, e as classes dominantes brasileiras estão associadas umbilicalmente ao capital internacional. A burguesia não disputa sua hegemonia contra nenhum setor pré-capitalista; pelo contrário, a luta burguesa se volta contra a possibilidade de uma revolução proletária. As “tarefas em atraso”, como a reforma agrária, não são mais tarefas em atraso, mas tarefas deixadas para trás e que não serão realizadas nos limites de uma sociedade capitalista. As contradições objetivas que estão na base das demandas imediatas das massas trabalhadoras não se devem ao baixo desenvolvimento de forças produtivas capitalistas, mas exatamente pelo próprio desenvolvimento e natureza de uma sociedade hegemonizada pelo capital. 43) Portanto, as tarefas colocadas ao conjunto dos trabalhadores e, em especial, da classe operária, núcleo estratégico e central do sujeito revolucionário, o proletariado, não podem se realizar nos limites de uma sociedade capitalista. O grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais, no Brasil e no mundo, já se coloca em contradição com a atual forma capitalista das relações sociais de produção, que ameaçam a produção social e a própria existência das condições que permitem a vida humana no planeta. A transição para o socialismo e para a formação de um Estado Proletário que garanta a existência de novas formas de propriedade e de relações sociais representa o único meio de libertar os trabalhadores das mazelas que hoje os afligem, contribuindo para livrar o mundo do desastre socioambiental que a ordem capitalista mundial impõe. 44) Toda a experiência histórica dos trabalhadores demonstrou que qualquer forma de pacto com a burguesia é uma miragem que confunde os trabalhadores, desorienta a luta de classes e apaga o horizonte socialista. Seja a clássica socialdemocracia, que, após a Segunda Guerra Mundial, garantiu, sob pressão da luta organizada dos trabalhadores, direitos e políticas públicas, mas que se domesticou diante do capital; seja a atual versão do social-liberalismo ou “socialdemocracia tardia”, adoradora do mercado, que passou a gerir o neoliberalismo adotando medidas assistencialistas, ao mesmo tempo em que são aplicadas com mão de ferro as políticas mais regressivas do grande capital, conforme pudemos verificar nos últimos 30 anos. Esses pactos não nos levarão a conquistas parciais que cumulativamente poderiam desembocar em uma sociedade justa e igualitária. Pelo contrário, fortalecerão ainda mais o capital e seu sistema de poder mundial. Toda experiência histórica e presente nos comprova que o capital e a propriedade privada capitalista, ao se perpetuarem, concentram riquezas, acumulam desigualdades e geram periodicamente as crises que terão que ser pagas pelos trabalhadores para salvar o lucro dos grandes capitalistas. 45) A definição da etapa socialista da Revolução Brasileira não implica ausência de mediações políticas na luta concreta para enfrentamento das conjunturas que se apresentam na dinâmica da luta de classes imediata. No entanto, a estratégia socialista determina o caráter da luta imediata, ou seja, a estratégia subordina a tática e não o inverso, como formulam equivocadamente algumas organizações políticas e sociais. A estratégia socialista não nega as lutas imediatas, mas não aceita a forma atual de sociabilidade como capaz de dar soluções estruturais e duradouras a estas questões, pois os problemas vividos pelas massas são manifestações da contradição entre a forma capitalista de organização da sociedade e as necessidades da produção e reprodução da vida em um novo patamar. 46) Entendemos que os campos institucional e eleitoral são importantes espaços a serem ocupados pelos comunistas na luta de classes, mas sabemos das suas crescentes limitações e precisamos determinar com clareza como ocupá-los. Nossas ações táticas e nossa política de alianças devem ser moldadas pela necessidade de superação revolucionária do capitalismo e pela construção da sociedade socialista. Tal construção dependerá de uma ação permanente dos comunistas e revolucionários para intensificar a luta política e ideológica na sociedade atual e fazer avançar o projeto contra-hegemônico do proletariado. Este projeto será construído no calor da luta de classes, em meio aos embates sociais e ao processo de confrontação política e ideológica frente ao capitalismo e à sociedade burguesa. 47) Na perspectiva do socialismo, é preciso pensar a construção da hegemonia proletária como a formação de um modo de produção alternativo sob controle dos trabalhadores, o que significa dizer que ela se assenta no mundo da produção, não ficando restrita à sua dimensão política e cultural. O conceito de Bloco Histórico nos remete à compreensão da sociedade como unidade orgânica entre a estrutura econômica e a superestrutura, cimentada por uma determinada ideologia, na qual ocupam papel fundamental os intelectuais, artistas e organizadores da cultura. Os trabalhadores, em sua luta contra a ordem do capital, devem apresentar-se como classe capaz de contrapor à atual sociedade desde formas de produção social da vida anticapitalistas, base para novas relações sociais de produção, até formas políticas de participação popular que correspondam à profunda socialização da produção e da vida social. 48) Contra o bloco histórico capitalista, portanto, devemos atuar visando à construção do Bloco Revolucionário do Proletariado, ou seja: o conjunto de ações e transformações econômicas, políticas, jurídicas e formas de consciência que apontem para a superação do capitalismo e para a construção da sociedade socialista no rumo do comunismo. Isto exige a formação de um bloco de classes e setores sociais e suas representações político-organizativas, que, nas lutas concretas – específicas ou gerais – contra a ordem do capital, vá se constituindo como um poderoso instrumento de luta e de organização dos trabalhadores, com uma ação que extrapole o campo dos interesses econômicos para se apresentar como o contraponto unitário de forças à hegemonia burguesa. A construção do bloco contra-hegemônico, portanto, pressupõe a articulação das dimensões econômicas e políticas na conformação da proposta emancipadora, capacitando o proletariado ao exercício do poder político e da direção cultural de toda a sociedade. 49) O PCB reafirma que esta transformação histórica não se dará através de um projeto reformista, mas por uma ruptura radical, na qual desempenha papel central a questão do poder, ou seja, a destruição do poder e da dominação política burguesa e a construção de um novo Estado do proletariado da cidade e do campo, comprometido com a construção histórica da capacidade dos trabalhadores em chegar ao autogoverno e, portanto, à superação do Estado. Isto implica que nossa política de alianças deve se materializar no campo proletário e popular. A aliança de classes capaz de formar o Bloco Revolucionário do Proletariado deve ser fundamentalmente estruturada entre os trabalhadores urbanos e rurais, os setores médios proletarizados e as massas de proletários precarizados que compõem a superpopulação relativa. 50) A força deste bloco está diretamente ligada à capacidade de a classe trabalhadora entrar em cena com independência e autonomia histórica, mas depende, da mesma forma, da iniciativa de vanguardas que resistam à acomodação e mantenham-se em luta contra a ofensiva crescente e criminalizadora do capital monopolista e seus aliados da pequena burguesia. A fragmentação atual do bloco popular expressa a fragmentação da própria classe trabalhadora, em virtude centralmente das determinações atuais da dominação capitalista, mas também como resultado da inflexão política das vanguardas que a hegemonizaram neste ciclo que se encerra. A unidade do bloco proletário deve ser buscada fundamentalmente na capacidade de organização e luta dos trabalhadores contra a hegemonia liberal burguesa. 51) Este bloco é, portanto, um projeto político a ser construído. Os elementos dispersos e fragmentados não se constituem enquanto classe, nem econômica nem politicamente. Apresentam-se como indivíduos em disputa no mercado de trabalho, espaço no qual seu adversário imediato às vezes é outro proletário e não a burguesia. A fusão de classe exige que estes setores sociais se coloquem em luta e sejam capazes de ver, para além das expressões fenomênicas, as causas comuns de seus problemas e a solução, como consequência direta de sua ação independente e constituição, enquanto classe portadora de um projeto histórico próprio: o socialismo. Nossa política de alianças deve ser firme e ampla: ao mesmo tempo em que não há alianças estratégicas com a burguesia e seus aliados, todo aquele que na luta concreta se colocar em movimento contra a ordem do capital, se contrapondo aos interesses do bloco liberal burguês, é um aliado em nossa luta. 52) Mas é preciso não confundir a necessidade de unidade dos trabalhadores e sua fusão em classe social com a unidade das forças políticas que representam ou dizem representar os trabalhadores. Enquanto militantes da classe trabalhadora em suas lutas imediatas e concretas, devemos apresentar o ponto de vista do proletariado, apontando as causas dos problemas imediatos e relacionando-as com a lógica do capital, defendendo uma alternativa socialista. É de se esperar que, no acirrar das lutas sociais – sobretudo com o agravamento da crise do capitalismo e a rendição do governo de plantão às receitas do capital para combater seus efeitos – setores hoje hegemonizados pelas organizações reformistas e burocráticas possam vir a se deslocar para o bloco proletário, passando à condição de aliados quando se contrapuserem, na prática, às iniciativas e políticas antipopulares do bloco burguês liberal e de seu governo. 53) O PCB precisa aprofundar a sua organização interna e dar um enorme salto qualitativo no seu trabalho de inserção no interior dos movimentos dos trabalhadores, da juventude e das lutas populares, para poder assumir como perspectiva futura um importante protagonismo na direção do bloco contra-hegemônico. Não se trata de fazermos a autoproclamação do Partido como organização revolucionária da classe, mas de nos apresentarmos como uma vanguarda que, no interior de um bloco amplo de forças políticas e sociais, seja capaz de jogar todas as energias na direção da construção do projeto revolucionário e na contraposição às saídas reformistas, “nacional desenvolvimentistas”, “democrático-populares” ou outras, que não levem às últimas consequências a ruptura com a ordem capitalista. Todavia, tal objetivo somente será alcançado se, na condição de parte integrante do proletariado e respaldado pelas condições objetivas, soubermos agir no sentido de conquistar o reconhecimento e o apoio das massas ao nosso Partido e ao projeto revolucionário. 54) O Partido será capaz de participar da direção da classe trabalhadora se penetrar nas organizações nas quais a massa trabalhadora se agrupa, realizando nelas e através delas uma sistemática mobilização de energias segundo um programa de lutas anticapitalistas e anti-imperialistas. Lênin deixava claro não existir uma única forma de luta capaz de conduzir à vitória do socialismo, que pudesse ser copiada pelos movimentos revolucionários em todo o mundo, “na base de regras táticas de luta estereotipadas, mecanicamente niveladas e idênticas”. Tampouco basta a ação isolada da vanguarda ou um trabalho voltado apenas à agitação e à propaganda, pois somente através da própria experiência política das massas será possível desenvolver formas de abordagem da revolução proletária, ou seja, formas de luta eficazes na mobilização popular e no enfrentamento às classes dominantes. As Mediações Táticas da Revolução Socialista 55) Assim como expresso no Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, devemos reafirmar que os comunistas do PCB não lutam para criar um partido à parte do proletariado, mas devem apresentar, no conjunto da luta dos trabalhadores, ali onde ela se expressar, os interesses gerais da classe. Esta representação se associa à necessária compreensão da sociedade capitalista e suas determinações mais profundas, assim como se articula à dimensão internacional da luta e do horizonte socialista e comunista de nossa proposta. A tarefa central dos militantes do PCB é a construção do nosso Partido em bases de fato revolucionárias, sem o que não será possível agir no interior da luta de classes com uma perspectiva política que vá além das reivindicações e necessidades imediatas. Da mesma forma, a organização do PCB só tem sentido se for ao mesmo tempo organização de um setor da classe trabalhadora profunda e organicamente ligado às lutas reais do proletariado. 56) Uma vez que o domínio do bloco conservador construiu uma hegemonia que se expressa em todos os níveis da sociedade (na aceitação da economia capitalista de mercado; no limite das políticas sociais não mais percebidas como direitos conquistados; na privatização dos serviços e desmonte das políticas públicas, etc.) torna-se necessário um intenso trabalho de informação, de formação política e de ação cultural, no sentido de desvelar os reais fundamentos da ordem do capital, apostando no desenvolvimento de valores calcados na solidariedade de classe, que resgatem a história das lutas e da resistência dos trabalhadores e das massas por seus objetivos, com autonomia e independência. De igual modo, o caráter integrado do capitalismo brasileiro à ordem internacional do capital imperialista implica numa interdependência da luta contra-hegemônica. Este aspecto leva à tática de aprofundar os laços de solidariedade internacional diferenciando aquelas forças que atuam na perspectiva anticapitalista e anti-imperialista e, ainda mais sólida e profundamente, àquelas forças socialistas e comunistas. 57) A construção do poder proletário/popular não se resume à mera negação institucional ou qualquer tipo de paralelismo autonomista, mas ocupa ativamente todos os poros da institucionalidade atual, guiada por um projeto histórico de negação da ordem capitalista, portanto, partindo da afirmação revolucionária segundo a qual os meios necessários à vida não podem ser apropriados privadamente, que nenhum ser humano pode se apropriar de outro para transformá-lo em mercadoria, que os bens de primeira necessidade e os serviços necessários à produção e reprodução social da vida são patrimônio de toda a humanidade e não podem ser apropriados privadamente. É necessário ir construindo, a partir de agora, a partir da velha ordem, um duplo poder, uma ordem institucional e política própria dos trabalhadores, fundada e fundante de uma nova cultura proletária e popular, capaz de dar unidade ao bloco proletário e colocá-lo em movimento na luta contra a ordem burguesa. 58) O tema do Poder Popular apontado pelas resoluções do XIV Congresso do PCB ganhou, na conjuntura atual, uma nova dimensão, uma vez que se tornou uma palavra de ordem que encontrou grande repercussão no movimento de massas e entre várias organizações de nosso campo de ação política. Ao afirmar a necessidade de construir um Poder Popular, o PCB chama a atenção para um processo político que não pode ser confundido com instâncias e organizações de massa ou articulações políticas entre os partidos de esquerda, isto é, não é um mero elemento de ação tática. Este processo se desdobra em pelo menos quatro momentos fundamentais, que articulam o plano tático e o estratégico: A luta pelo Poder Popular se expressa nas ações independentes da classe trabalhadora em seus embates contra as manifestações mais evidentes da ordem do capital, os quais ganham a forma mais expressa de mobilizações, greves e movimentos que colocam em marcha os diferentes segmentos do proletariado e da classe trabalhadora em geral. Neste aspecto afirmamos que o Poder Popular existe já em germe na construção da autonomia e da independência de classe destes movimentos que se chocam com o bloco conservador e sua política em defesa da ordem burguesa, através das organizações próprias da vida cotidiana, da organização e da resistência da classe trabalhadora (movimentos sociais, sindicatos, organizações e partidos de esquerda, fóruns de luta pela saúde, educação, moradia, transporte, etc.), ainda que, neste momento, atuem de forma fragmentada e sem a unidade política necessária. Essas lutas e os enfrentamentos tendem a se intensificar e, diante da reação esperada do poder burguês, caminhar no sentido da necessária unidade programática em torno de eixos comuns de luta que unifiquem as demandas setoriais apresentadas de forma fragmentada em uma pauta cada vez mais precisa de bandeiras e reivindicações, sob as quais o movimento de massas define sua independência em relação aos governos da ordem e ao bloco dominante, dando forma ao campo popular e de esquerda. A culminância das lutas de massas e das resistências desenvolvidas aponta para o aprofundamento da autonomia do campo popular expressa nas bandeiras de luta, na pauta das demandas apresentadas e em formas organizativas capazes de se configurar como força política contraposta ao bloco dominante e como alternativa de poder,formulando um programa político de transformações necessárias de caráter anticapitalista. Neste momento, o Poder Popular encontrará as formas organizativas necessárias que não podem ser antecipadas (Conselhos, Assembleias Populares, Comitês, etc.). No quadro de uma situação revolucionária ou pré-revolucionária, esta construção política pode e deve assumir a forma de uma dualidade de poderes que prepare as condições para os enfrentamentos decisivos contra as classes dominantes e seu Estado – a ditadura da burguesia –, combinando formas diretas de luta que possibilitem aconstituição de uma real alternativa de poder dos trabalhadores. Neste momento, o Poder Popular assume toda sua potencialidade como germe de um novo Estado sustentado pelas massas populares e pela classe trabalhadora, na perspectiva da transformação radical da sociedade. Plenamente desenvolvido em seu potencial, o Poder Popular se converte em germe de um Estado Proletário – a Ditadura do Proletariado – que conduzirá a transição socialista visando erradicar a propriedade privada, as classes e, portanto, o próprio Estado através da livre associação dos produtores. 59) A construção do Poder Popular, portanto, pressupõe a criação de novas formas de associação e sociabilidade proletária através das manifestações de resistência da classe trabalhadora, dotando-as de dimensão política, pela compreensão das raízes e determinações de cada problema particular e ao relacioná-los com a totalidade da ordem capitalista a ser negada. É preciso dotar as ações políticas de uma dimensão organizativa e disciplinada, culturalmente solidificada, e somar na construção de um grande movimento político de massas que tenha por objetivo a implantação do socialismo no Brasil. Por tudo isso, torna-se prioritária a ação da militância comunista nos espaços onde seja possível fazer avançar a organização dos trabalhadores e da juventude na luta por seus interesses e necessidades, contribuindo efetivamente para a formação e aprofundamento da consciência de classe contra a dominação imposta pelo capital. Para isto, é preciso estar colado com as massas, participando ativamente dos embates diários da classe trabalhadora, seja por dentro dos sindicatos, no interior das empresas e das escolas, nos bairros, por meio dos movimentos sociais e comunitários, nas lutas políticas gerais, etc. 60) Cabe aos militantes comunistas a intervenção organizada nestes espaços, promovendo sempre a denúncia da ação do capital em todas as esferas da sociedade e da vida e apontando para a solução radical dos problemas vividos pelos trabalhadores. Será preciso desenvolver uma solidariedade ativa entre as categorias e setores sociais, fomentar interesses comuns e a necessidade de uma nova forma de organização da produção social da vida para além do mercado e da lógica do capital. Onde os limites da institucionalidade liberal burguesa impedirem a plena realização da humanidade, é necessário criar experiências inovadoras de ação. Trata-se de tomar uma atitude ativa diante dos diversos problemas concretos que surgirem e radicalizar soluções, tomando para o poder proletário e popular a tarefa de enfrentar estes problemas, não no sentido de substituir as políticas públicas e o dever do Estado, mas de denunciar sua omissão criminosa e construir outra institucionalidade. 61) As classes sociais que hoje disputam a política brasileira excluíram a questão proletária da pauta, maquiando uma posição pequeno-burguesa rebaixada como sendo a representante dos trabalhadores. Nossa tarefa é garantir que o projeto proletário e socialista entre novamente no debate, como expressão dos interesses reais, imediatos e históricos das classes trabalhadoras sob seu protagonismo direto. O desfecho da estratégia da Revolução Socialista, na qual se insere a proposta de construção do Poder Popular, não pode ser definido de antemão, mas é nosso dever e responsabilidade nos preparar para os diversos cenários que podem se apresentar. Assim, devemos estar preparados para defender a alternativa socialista contra a violência da reação burguesa e seus aliados, desenvolvendo a autodefesa e o direito de rebelião. 62) O principal desafio do PCB é construir as pontes táticas que nos permitam criar as condições de desenvolver nosso projeto estratégico pelo socialismo no Brasil. Enquanto parte das forças políticas que atuam no cenário brasileiro, inclusive do campo de esquerda, cada vez mais jogam suas fichas na pauta do processo eleitoral, o PCB afirma ser essencial que os próximos períodos sejam marcados por intensas mobilizações, resistências, lutas e árduas tarefas de organização e formação política, capazes de lançar as bases de um projeto de Poder Popular para o Brasil. 63) O PCB deve incentivar a elaboração de um calendário nacional de lutas centrado na resistência dos trabalhadores à ofensiva do capital em função da crise, tendo como lemanenhum direito a menos, avançar nas conquistas, a defesa do emprego e do poder de compra dos salários, a luta pela redução da jornada de trabalho sem redução salarial, pela manutenção e ampliação das verbas para educação e saúde, pela garantia da moradia e contra a especulação imobiliária, pela melhoria e expansão dos transportes de massa em contraponto aos benefícios dados ao uso do automóvel individual, visando atrair para a luta os trabalhadores e os setores mais necessitados da população, além de combater qualquer forma de subsídio para o capital, o uso do FGTS em benefício das empresas e a manutenção de cerca de metade do Orçamento para pagamento dos serviços da dívida pública. 64) Apontamos ainda para a necessidade de constituição de uma frente política de caráter permanente, organizada em torno de um programa capaz de dar unidade às lutas anticapitalistas e de oposição às manifestações do imperialismo no Brasil e no mundo. Tal articulação, a que denominamos Frente Anticapitalista e Anti-imperialista, não pode ser confundida com uma frente eleitoral. A vitória eleitoral e as possibilidades de governabilidade de forças de esquerda somente ocorrerão se estiver fincada sobre um forte movimento de massas. Portanto, o projeto de constituição da Frente Anticapitalista e Anti-imperialista depende da formação de um amplo movimento de caráter permanente, estruturado por partidos políticos, organizações de massa e movimentos populares reunidos em torno do programa contra-hegemônico, no qual esteja prevista a ruptura com o capitalismo. 65) Para a conformação desta Frente, devemos priorizar o diálogo com as forças políticas e sociais que têm se posicionado, nas inúmeras frentes de luta, em franca oposição ao Estado burguês e sua opressão de classe, mesmo aquelas que hoje ainda se mantêm reticentes a abraçar a ideia de um movimento com caráter anticapitalista. Algumas dessas forças se opõem à ideia pelo entendimento de que ainda há “tarefas nacionais” a cumprir no Brasil, e que estaríamos (nós, do PCB) nos adiantando ao processo histórico, propondo a luta anticapitalista como central. Estes grupos partem do princípio de que é preciso, primeiro, desenvolver a luta antilatifúndio e antimonopólio e que, portanto, o atual estágio da luta de classes no Brasil demandaria um movimento primordialmente anti-imperialista. Trata-se, de fato, de uma concepção “etapista” disfarçada. 66) Entendemos que as lutas populares no Brasil contra a exploração, contra o poder do latifúndio ou contra os monopólios são, no essencial, lutas anticapitalistas, pois o capital exerce seu domínio em todas as esferas da vida social. Qualquer “tarefa nacional” ou “popular-democrática” a ser cumprida será uma tarefa anticapitalista. Todo e qualquer movimento popular encontra do outro lado da trincheira a organização do capital, tentando obstaculizar as conquistas por parte dos trabalhadores. As lutas sociais e a resistência dos trabalhadores na defesa de seus direitos mais imediatos, como o salário, as condições de trabalho, a aposentadoria, a assistência, os direitos previdenciários, assim como a luta pela qualidade de vida e pelo direito a uma educação pública de qualidade, ao atendimento de saúde, à moradia digna, à mobilidade urbana e/ou deslocamento nas zonas rurais, ao acesso à informação, aos bens culturais e ao lazer se chocam hoje com a lógica privatista e de mercado, que vê todos estes bens e serviços como mercadorias a ser adquiridas prioritariamente no mercado privado, gerando lucros enormes para as grandes corporações e, secundária e supletivamente, pelo Estado, na forma de políticas públicas. 67) Não contrapomos a luta anticapitalista à luta contra o imperialismo. No caso do Brasil, as duas lutas se unem no mesmo processo de enfrentamento à ordem imposta pelo grande capital e pela burguesia. Pois sabemos que o desenvolvimento do capitalismo brasileiro está, de forma profunda e incontornável, associado ao capitalismo internacional, sendo impossível separar onde começa e onde acaba o capital “nacional” e aquele ligado à internacionalização das grandes empresas transnacionais. O desenvolvimento dos monopólios e oligopólios, das fusões, da concentração e centralização dos principais meios de produção nas mãos de grandes corporações monopolistas, nos setores industrial, bancário e comercial, torna impossível separar o capital de origem brasileira ou estrangeira, assim como o chamado capital produtivo do especulativo, já que, nesta fase, o capital financeiro funde seus investimentos tanto na produção direta como no chamado capital portador de juros e flui de um campo para outro de acordo com as necessidades e interesses da acumulação privada, sendo avesso a qualquer tipo de planejamento e controle. Por isso a luta anticapitalista hoje é, necessariamente, uma luta anti-imperialista. 68) A afirmação do caráter anti-imperialista não advém de nenhuma afirmação de um capitalismo nacional em contraposição à dominação estrangeira de potências desenvolvidas, o que poderia nos levar a reapresentar um elemento essencial da estratégia das etapas ou do desenho mais geral de uma estratégia nacional-democrática ou democrático-popular. O caráter anti-imperialista da frente proposta, pelo contrário, parte da constatação do caráter internacional do capitalismo monopolista e daí seu caráter imperialista, de forma que as lutas anticapitalistas que se desenvolvem no Brasil, na América Latina e no mundo se chocam necessariamente com a ordem capitalista/imperialista mundial, o que aumenta a necessidade de articulação política ativa e da solidariedade internacionalista. 69) Devemos buscar o trabalho político conjunto com grupamentos políticos que, mesmo não se situando no campo socialista, somam forças na denúncia e no enfrentamento às ações do imperialismo, como nos casos das agressões militares diretas ou do suporte a grupos mercenários por parte dos EUA e da OTAN à Líbia, Iraque, Síria e outros países, assim como, por outro lado, no apoio a governos como os da Venezuela e da Bolívia, por seu caráter anti-imperialista. Devemos, enfim, atuar, junto a todas as forças políticas e organizações sociais que de alguma forma se contraponham ao poder do capital, com vistas à formação da Frente Anticapitalista e Anti-imperialista, que não necessariamente terá este nome, mas que tenha, em essência, o caráter de um amplo movimento político permanente de lutas, voltado a enfrentar os ditames do capital e da ordem burguesa em nosso país, preparando o caminho para a disputa pelo poder e a construção da sociedade socialista. 70) A hegemonia burguesa só pode se impor e se prolongar no Brasil pela divisão das forças anticapitalistas e anti-imperialistas. Urge um salto de qualidade na busca pela unidade de ação dos movimentos populares, das forças de esquerda e entidades representativas dos trabalhadores, no interior e para além do mundo sindical corporativo, sem hegemonismos ou práticas excludentes, com a promoção de iniciativas conjuntas de resistência e de confrontação que sejam os passos necessários para a constituição de um bloco proletário capaz de contrapor à hegemonia conservadora uma real alternativa de poder popular e socialista em nosso país.

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